Neo-Realismo – expressão cultural de um povo em luta

O PCP promoveu, sexta-feira, 8, uma sessão pública sobre o tema «Neo-realismo, expressão cultural de um povo em luta», sublinhando justamente a riqueza e validade de uma corrente estética cujo tema central foi «o mundo da gente miúda», como referiu Jerónimo de Sousa.

Os comunistas lutam pela democratização da cultura enquanto factor de emancipação

A iniciativa decorreu ao fim da tarde no auditório do Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, o que se justifica pelo facto de aquela expressão cultural ter tido «nesta região algumas das suas mais importantes raízes e manifestações», como também notou o Secretário-geral do PCP.

Antes, porém, de o dirigente comunista usar da palavra, a plateia, repleta até às coxias, desfrutou de uma sessão recheada de atractivos, dinâmica e ligada à vida, como aliás não podia deixar de ser.

Além de intervenções da professora e investigadora Carina Infante do Carmo, da investigadora Cristina Cruzeiro e do escritor Domingos Lobo – respectivamente sobre o neo-realismo como movimento estético e político, da sua expressão nas artes visuais e no campo literário (ver caixa) –, pelo palco passou a projecção de um vídeo com testemunhos, de várias origens e gerações.

À vez, Mónica Batista, professora de cinema, Matilde Silva, estudante, José Ernesto Cartaxo, operário natural de Vila Franca de Xira, Margarida Machado, empregada natural de Montemor-o-Novo, João Duarte, artista plástico, Conceição Matos, ex-funcionária clandestina do PCP, Rita Magrinho, professora, atestaram que o neo-realismo transporta uma carga histórica e ideológica de classe, é e sempre foi um projecto comum, participado, multifacetado, que preserva vital inspiração. Relataram também alguns episódios e contextualizaram o movimento, as suas raízes e consequências.

Manifestações culturais de relevo e rara qualidade na iniciativa foram, igualmente, a leitura de textos neo-realistas por parte de Eugénia Edviges e Manuel Diogo, e o momento musical protagonizado por Manuel Pires da Rocha e João Queirós, que interpretaram «As Balas», «Tejo que levas as águas» e «Pedra Filosofal».

Do povo para e pelo povo

A encerrar, Jerónimo de Sousa começou por lembrar que «o neo-realismo, como expressão cultural de um povo em luta, (…) contou sempre com o dedicado e criativo contributo de muitos militantes comunistas», tendo-se inspirado e reflectido, «na sua actividade criadora, a vivência do povo trabalhador explorado».

Na década de 30, a região de Vila Franca de Xira acolhe «importantes unidades fabris», levando a que operários e assalariados rurais na lezíria, locais ou sazonais vindos de outras paragens, partilhem uma vida de miséria e uma perspectiva não muito diferente para os respectivos filhos. «O neo-realismo português nasce e emerge no seio desta realidade, da necessidade de dar voz aos humilhados e ofendidos de vários quadrantes», disse o dirigente comunista, antes de frisar que, «na sua evolução, essa reflexão e essa voz não tardarão a incluir também aqueles que na cidade grande eram igualmente vítimas da exploração e da usura capitalista».

«Este é o tempo em que a ditadura fascista se consolida e a luta pela liberdade e a democracia mobiliza as energias de uma jovem intelectualidade portuguesa. Um tempo também em que uma nova realidade está em construção com a vitória do socialismo na URSS, com impacto em todo o mundo nos mais diversos domínios e projectando novos valores com influência igualmente na acção criadora, nas artes e na cultura», contextualizou o Secretário-geral do PCP, para quem «é a busca da dignidade, através da literatura, que leva Redol e os seus companheiros do Grupo Neo-Realista de Vila Franca – António Dias Lourenço, Garcez da Silva, Bona da Silva, Mário Rodrigues Faria, Arquimedes da Silva Santos e Carlos Pato – a percorrerem e a denunciarem nas páginas do jornal Mensageiro do Ribatejo, o até aí ignorado universo dos descamisados».

«O mundo da gente miúda nunca antes fora abordado munido da bagagem ideológica que lhes permitiu aprofundar os diversos interesses em confronto, a luta de classes. É a opressão que irmana estes homens e mulheres que labutam e lhes dá um sentido colectivo. E esse sentimento da opressão, ainda que o não saibam expressar em acto em concertado grito de revolta, conduzi-los-á, com o PCP na vanguarda, a importantes jornadas de luta», prosseguiu Jerónimo de Sousa, que dando exemplos de acções de massas «fundamentais para a Revolução de 25 de Abril de 1974», considerou que «no desenvolvimento dessa luta, é a própria unidade antifascista que se amplia, envolvendo amplos sectores da sociedade portuguesa, encontrando também na arte significativa expressão».

«Criadores como Alves Redol, Soeiro Pereira Gomes, Manuel da Fonseca, Joaquim Namorado, Carlos de Oliveira, Fernando Namora, João José Cochofel, Mário Dionísio, Alexandre Cabral, Fernando Lopes-Graça, Vasco da Conceição, Maria Barreiros, Augusto Gomes, Júlio Pomar, e tantos outros, buscam o drama verdadeiro dos explorados que se debruçam sobre a terra, que trabalham nas oficinas, nas minas, nas fábricas e na faina do mar», materializando-o numa «arte que expõe de modo cru as desigualdades sociais, num quadro em que a luta de classes se ramifica e extrema e onde o protagonista é claramente o colectivo. É este aspecto a marca distintiva dessa nova estética que se afirma aqui».

O PCP, Soeiro a Cultura

O Secretário-geral do PCP citou depois Augusto da Costa Dias para realçar que o movimento neo-realista «é, à nascença, contemporâneo dos primeiros esforços para a reorganização do Partido (Comunista Português). Surge como sua expressão na batalha cultural e ideológica, como oposição fundamental à ideologia dominante das classes dominantes fascistas». E consubstanciando a afirmação com a referência à publicação de várias obras literárias e, sobretudo, de «Esteiros», do militante e dirigente comunista Soeiro Pereira Gomes, Jerónimo de Sousa salientou, citando Álvaro Cunhal, que no caso de Soeiro «não foi o escritor que se tornou um militante clandestino e organizador de greves e outras lutas de massas, mas esse militante comunista que, revelando-se talentoso escritor, trouxe à literatura portuguesa aspectos vivos da sua experiência de revolucionário.»

«A cultura foi uma das mais profícuas formas de resistência ao fascismo nesses anos, a arma que os então jovens autores – quase todos autodidactas, quadros médios, sem formação académica – manejavam com engenho e talento, sabedores que a sua acção se confundia com a própria dinâmica do mundo do trabalho, quer o dos operários da indústria, quer os rurais, a partir de corajosos actos de intervenção cultural, tendo como espaço privilegiado pólos agregadores desse projecto, as colectividades populares de desporto, cultura e recreio, em que o concelho de Vila Franca era pródigo – colectividades que ainda hoje são espaços emblemáticos de fruição cultural e desportiva».

«Foram estes os traços essenciais do neo-realismo português, esse notável movimento estético que se assumiu como expressão cultural de um povo em luta. Uma luta que contou com a militância, o trabalho, o pensamento e a criação artística de milhares de intelectuais – muitos dos quais comunistas – que marcaram indelevelmente a história das artes e das ciências e que perceberam a importância da sua acção na dinamização da vida cultural nacional», insistiu o dirigente comunista.

E acrescentou: também hoje, «armados pelo seu esforço e entusiasmo, amparados pela intervenção determinada das mais amplas camadas da população, os comunistas, ao lado de muitos outros democratas e patriotas, lutam para massificar a cultura em todas as frentes», pela «democratização da cultura» enquanto «factor de emancipação», concluindo que, «sempre com os trabalhadores e com o povo, sempre com os democratas e patriotas apostados na construção de um Portugal com futuro, é com a liberdade, a imaginação, a fantasia, a descoberta e o sonho que os comunistas continuam a intervir na vida».

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«O neo-realismo coincide e marca a história do PCP, marca-lhe o seu imaginário de País, povo e História, embora não seja sobreponível à história de um partido centenário, relevante até hoje na disputa político-ideológica portuguesa. Há artistas comunistas que não foram neo-realistas, inclusive no período histórico activo do movimento, e vários artistas identificados com a constelação neo-realista não militaram no PCP nem foram, stricto sensu, marxistas.

A par da consciência histórica e da cultura de participação, evidencia-se a construção de um sentido de comunidade, num tempo e lugar portugueses, muito para lá da intervenção coesa do neo-realismo e que se cruza com a história do PCP até hoje.»

Carina Infante do Carmo

«A vontade de inserção da arte no espaço público, a tentativa de operar uma transformação significativa do papel dos artistas, da arte e da cultura na sociedade e a militância anti-fascista dos neo-realistas determinou que os suportes e recursos mediais utilizados merecessem extrema importância. A defesa pela realização de murais e painéis em espaços públicos, pela reprodução de obras de arte em publicações periódicas, pela ilustração de livros, pela gravura e por exposições mais frequentes e abertas a todos foi recorrente. Essa característica encerra em si uma atitude de vanguarda, que se relaciona com o objectivo de inserção da produção artística no tecido social da forma mais alargada possível.»

Cristina Cruzeiro

«Não sei se o neo-realismo, enquanto movimento ético, cultural e cívico, está esgotado. Admito que o realismo-humanista que o gerou, o modo literário eficaz de denunciar a violência, a usura, os atropelos a direitos e à vida plena das massas trabalhadoras, se terá diluído noutras frentes de combate e na diversidade temática da nossa hodierna literatura. Estou no entanto convicto que, com essa ou outra designação, enquanto existirem explorados e exploradores, existirão sempre autores capazes de reflectir nos seus textos as lutas, as dores e os anseios dos humilhados e ofendidos; haverá sempre vozes atentas, inquietas e indignadas, enquanto permanecerem as injustiças sociais que nos estremecem e insultam; enquanto houver gente que se julga mais que a outra gente, quem se julgue detentor de direitos e privilégios que aos outros nega, quem humilha e mata.»

Domingos Lobo




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