«Voltar a ligar a roda ao carril» assente na produção naciona
O PCP apresentou ao final da tarde de terça-feira, 6, no Centro de Trabalho Vitória, em Lisboa, os objectivos de um plano para a incorporação de produção nacional na compra de material circulante ferroviário.
O investimento não pode ser em comboios alemães, franceses ou espanhóis
Numa iniciativa moderada por Ricardo Costa, da Comissão Política, e na qual participou igualmente Bruno Dias (ver caixa), membro do Comité Central e deputado na Assembleia da República (AR), Jerónimo de Sousa realçou que a proposta comunista é que «se mobilizem os recursos e meios necessários para que em Portugal se voltem a produzir comboios que respondam não apenas às necessidades de renovação da frota, mas também à sua modernização e expansão», permitindo «que se construa em Portugal aquilo que nos estão a obrigar a comprar lá fora».
Como pano de fundo, o Secretário-geral do PCP lembrou que «este é o tempo de olhar para aqueles que são os principais défices e estrangulamentos nacionais, para observar os recursos e potencialidades existentes e reorientar a economia para uma política de substituição de importações por produção nacional».
Neste âmbito, considerando que o actual contexto epidémico veio desnudar com clareza «quatro grandes cadeias de dependência externa que urge inverter», entre as quais a «produção de meios e equipamentos de transporte», Jerónimo de Sousa concedeu que «começa a ser consensual a necessidade de apostar na ferrovia».
Lembrou, no entanto, as responsabilidades de PS, PSD e CDS na destruição da capacidade produtiva de material circulante no nosso País, seguindo as orientações ditadas pela UE, cujo caso mais gritante foi a destruição da Sorefame, na Amadora, contra a qual os trabalhadores e o PCP lutaram. Por isso, o dirigente comunista lamentou que, não obstante as declarações consensuais, «fala-se muito mas continua a fazer-se pouco».
Disso mesmo é paradigmático que os concursos a decorrer para a aquisição de composições ignorem a incorporação de produção nacional, pelo que o líder comunista defendeu que na planificação integrada do desenvolvimento soberano o investimento na infra-estrutura ferroviária seja pensado ao mesmo tempo que o projectado para o material circulante. Simultaneamente, o investimento neste deve ser não apenas planificado para o médio e o longo prazo, mas estruturado por forma a servir o objectivo de desenvolver o aparelho produtivo nacional e substituir importações.
Não menos importante é que «a formação de técnicos ferroviários – que só se faz no terreno e na prática – seja uma prioridade numa política de valorização do trabalho e dos trabalhadores».
De resto, entre as várias intervenções ocorridas por parte de trabalhadores e ex-trabalhadores ferroviários e membros de Organizações Representativas de Trabalhadores do sector, Catarina Cardoso sublinhou justamente que responder aos objectivos de requalificação e ampliação ferroviária estimulando a produção autóctone «não se faz sem ferroviários».
Já Abílio Carvalho lembrou algumas lições da história da CP para concluir que «a submissão a Bruxelas não serve os interesses dos utentes nem dos trabalhadores». Actualmente não há serviço ferroviário, infraestruturas, material circulante e trabalhadores em número suficiente para servir utentes e populações. Porém, não fosse a luta e o PCP e «já não existia CP».
Francisco Asseisseiro, após lembrar que a recente fusão da CP com a EMEF, sempre defendida pelo PCP, «já produziu importantes resultados», realçou a necessidade de conseguir a fusão da Refer e reverter a separação das mercadorias e a privatização da CP Carga, que se lhe seguiu.
Mudar a agulha
Outro aspecto para o qual Jerónimo de Sousa chamou a atenção é o facto de ser «preciso fazer exactamente o oposto do que se tem feito. Assim, impõe-se «combater a liberalização e mercantilização deste sector, reconstruir a CP como a empresa pública, una e nacional para todo o sector ferroviário, acabando com essa aberração que é a junção da gestão da ferrovia com a rodovia na chamada Infraestruturas de Portugal».
Nesse sentido, precisou o Secretário-geral do PCP, a proposta comunista pretende alcançar três eixos: reconstruir um comando único no sector ferroviário nacional (voltar a ligar a roda ao carril, como dizem os ferroviários); apostar no sector como estratégico para a mobilidade de pessoas e mercadorias, para a melhoria do ambiente e da qualidade de vida; aproveitar o volume de investimento para reconstruir a produção nacional de material circulante.
O Partido fez as contas ao montante a mobilizar e calcula que nos próximos 15 anos sejam precisos cerca de 3,75 milhões de euros para alcançar o desiderato de substituir toda a frota de transporte ferroviário pesado de passageiros, envelhecida fruto do desinvestimento dos últimos trinta anos, aumentar a oferta e rentabilizar os investimentos em curso – os planificados e aqueles que possam vir a sê-lo.
«Para o PCP o investimento que está a ser feito na ferrovia nacional, sendo insuficiente, não pode nem deve ser para ver passar os comboios alemães, franceses ou espanhóis», disse ainda Jerónimo de Sousa.
É do futuro que se trata
A encerrar a apresentação do plano para que modernização e aumento da capacidade ferroviária recorra a produção e qualificação nacionais, Ricardo Costa deixou claro que «daremos imediatamente expressão a esta proposta na AR, com a entrega de um projecto de resolução».
«Mas, independentemente do seu agendamento e votação», prosseguiu, «uma coisa é certa: esta é uma proposta que fala do futuro», pois «é de comboios e da ferrovia que se fará uma parte significativa da mobilidade de passageiros e mercadorias, quer no plano nacional, quer no plano internacional».
«Futuro», acrescentou o membro da Comissão Política, «porque no plano ambiental se exige cada vez mais a substituição de transporte individual por transporte colectivo», porque «olhamos para a indústria, para a investigação e desenvolvimento científico não como uma coisa do passado, mas como algo que é e será indispensável para o desenvolvimento soberano de Portugal».
Antes, coube a Bruno Dias explanar os conteúdos do plano que o Grupo Parlamentar do PCP verteu em iniciativa para apreciação parlamentar, notando que «a produção de material circulante é uma das fileiras produtivas cuja reconstrução é possível». O que pressupõe, depois de garantida, por insistência do PCP, a reintegração da EMEF na CP, com os bons resultados que se observam, «reunificar a infraestrutura e a exploração».
Dito doutro modo, é imprescindível «reverter a fusão da REFER com a EP integrando-a novamente na CP», bem como «reverter a separação das mercadorias e a privatização da CP Carga».
Necessário é, igualmente, dar prioridade à ferrovia cumprindo os eixos e objectivos antes indicados pelo Secretário-geral do PCP, os quais Bruno Dias detalhou um pouco mais, designadamente quanto à manutenção e propriedade do material circulante e à valorização dos trabalhadores das oficinas.