PCP debateu em Évora caminhos alternativos para o desenvolvimento económico do País
ALTERNATIVA O deputado do PCP no Parlamento Europeu, João Ferreira, e o economista e professor Ricardo Paes Mamede participaram no dia 15, em Évora, no colóquio «Que Política Económica para Portugal?».
O euro não é apenas mais um obstáculo ao desenvolvimento soberano do País
O salão da centenária Sociedade Operária de Instrução e Recreio Joaquim António de Aguiar encheu-se ao final da tarde de sexta-feira para aquele que foi, como aliás era previsível, um interessantíssimo debate sobre o estado do País e os caminhos do seu desenvolvimento soberano. Entre os participantes encontravam-se quadros e militantes comunistas, sindicalistas, autarcas, docentes e investigadores das mais diversas áreas do conhecimento e com diferentes enquadramentos políticos e ideológicos. Na mesa, para além dos oradores convidados, sentavam-se João Andrade Santos, do Sector Intelectual de Évora do PCP, e Patrícia Machado, da Comissão Política.
Como é evidente, tanto pelo painel de oradores como pela própria natureza dos assuntos em discussão, do debate travado não resultou qualquer unanimidade de pontos de vista nem dele saíram respostas prontas e rápidas. Pelo contrário, houve algumas discordâncias, múltiplas convergências e, sobretudo, esforços partilhados para projectar alternativas capazes de romper com os constrangimentos que enredam o País e possibilitar o seu desenvolvimento económico e o bem-estar do seu povo.
João Ferreira e Ricardo Paes Mamede partiram muitas vezes de pressupostos e ângulos de observação diferentes, desde logo porque um é deputado e dirigente político e o outro é académico, mas não raras vezes desembocaram em conclusões comuns, ou pelo menos convergentes. Ambos colocaram um ênfase particular nas questões relacionadas com o euro (e outros instrumentos da União Europeia), realçando que este, não constituindo o único obstáculo ao desenvolvimento económico do País, não pode também ser visto como «apenas mais um» desses obstáculos, afirmou-se. Acresce a isto o facto de a moeda única não ter ainda esgotado as suas consequências negativas para o País.
Os grilhões do euro
Dos dois oradores convidados, o primeiro a intervir foi o professor universitário, que destacou os constrangimentos associados ao euro e os seus efeitos em economias periféricas como a portuguesa: compressão da despesa pública com a imposição de políticas orçamentais restritivas; pressão sobre os salários e os direitos laborais e sociais; restrições à intervenção pública na banca e ao apoio do Estado às actividades produtivas, entre outras. O crescimento económico ténue, o desemprego persistente e muito superior ao que seria «admissível numa economia desenvolvida» e uma grande vulnerabilidade às crises financeiras são algumas das suas consequências mais graves.
Já o deputado comunista comparou a evolução do crescimento da economia portuguesa antes e depois da entrada do País no euro: se nas duas décadas anteriores Portugal cresceu a uma média superior a três por cento, nos 20 anos seguintes o crescimento médio caiu para os 0,85 por cento. Comparando com a evolução da União Europeia, o País passou de um crescimento superior à média para um consideravelmente inferior.
Uma terceira conclusão, adiantou João Ferreira, é que «Portugal, desde que aderiu ao euro, tornou-se um dos países que menos cresce no mundo». Dos 193 países que compõem a Organização das Nações Unidas apenas uma dúzia cresceu abaixo de Portugal desde que este passou a integrar o euro: a maior parte destes enfrentaram ou enfrentam guerras e conflitos (são os casos da Síria ou do Iémen) e outros três são também da área do euro – Grécia, Itália e o minúsculo São Marino, com menos habitantes do que Évora e onde a moeda em circulação é precisamente o euro.
Para o deputado comunista, que é também o primeiro candidato da CDU às eleições de 26 de Maio para o Parlamento Europeu, as razões que levaram o PCP a opor-se à entrada de Portugal no euro foram todas confirmadas pela evolução do País desde então.
Da assistência houve quem procurasse absolver o euro pela prestação económica da União Europeia, o que levou Ricardo Paes Mamede a observar o «enviesamento recessivo» da moeda única: quando uma economia da zona euro atravessa dificuldades «é convidada a contrair os salários e a despesa pública» e quando está bem «não tem estímulos para expandir», realçou. A quem procurou relativizar o «lamentável» comportamento económico da Europa argumentando com eventuais comparações com regiões economicamente mais atrasadas, o economista lembrou que também face aos Estados Unidos da América a prestação da UE foi igualmente «fraquíssima».
Romper amarras
Se quanto ao diagnóstico os dois oradores estavam, no essencial, de acordo, o mesmo já não sucedia – pelo menos nos termos exactos – relativamente às soluções a adoptar. Para o PCP, realçou João Ferreira, a libertação de Portugal da submissão ao euro é uma opção decisiva para garantir o desenvolvimento do País, a adoptar de forma integrada com outras duas: a renegociação da dívida e a recuperação do controlo público sobre o sector financeiro.
Quanto à questão do euro, e ao contrário da caricatura que muitas vezes é feita, o Partido não defende a saída «pura e simples» da moeda única, mas sim a tomada de medidas que a preparem convenientemente. Até porque, realçou o deputado comunista, Portugal tanto pode optar por se desvincular do euro como pode ser forçado a isso. Ora, se é certo que este último cenário não está hoje na ordem do dia, é igualmente verdade que já chegou um dia a ser ponderado e ninguém poderá afirmar, com certeza, que nunca mais volte a ser, alertou João Ferreira.
Ricardo Paes Mamede, manifestando a sua oposição à saída do euro no imediato, até por não existir, em sua opinião, uma«maioria social» que a suportasse, sublinhou a importância de haver quem, como o PCP, «coloque a questão da governação fora das regras do euro», pois «não podemos abdicar de pensar em caminhos alternativos». E, também, de os preparar. Para o economista, muito pode ser feito, no quadro do euro, para melhorar a situação do País, nomeadamente aproveitar todos os «espaços para construir uma agenda progressista para o País» e lutar pela alteração de regras e tratados. Contudo, foi o próprio Ricardo Paes Mamede a reconhecer que o espaço para isto é «muito curto», pois a União Europeia «não é um clube de amigos, mas um projecto em que diferentes interesses se confrontam e em que uns são mais poderosos do que outros».
João Ferreira pegou na ideia deixada por Paes Mamede para realçar que o PCP, ao mesmo tempo que aponta soluções estruturais para problemas também eles estruturais, tem propostas para o actual quadro. O Partido assume-se, assim, como o principal defensor dos interesses de Portugal na União Europeia, contrastando com a atitude do PS, que se autoproclamou o «maior defensor» da União Europeia no País. Já na fase das respostas e comentários às contribuições vindas da assistência, destacou outros constrangimentos ao desenvolvimento nacional resultantes da integração de Portugal na União Europeia: a falta de uma política comercial autónoma e não sujeita aos interesses dos monopólios alemães, a Política Agrícola Comum e a Política Comum de Pescas, responsáveis pela destruição de importantes sectores produtivos nacionais, ou o Mercado Comum.
Isto anda tudo ligado
Se as questões da União Europeia e do euro foram das mais referidas no colóquio do passado dia 15, elas estiveram longe de terem sido as únicas. Aliás, mesmo quando o assunto foi o euro, falou-se de estagnação e recessão, de desigualdades, de desindustrialização, de abandono da agricultura, da destruição da frota pesqueira, da perda de soberania comercial e monetária, da degradação de direitos conquistados ao longo de gerações.
A este propósito, e depois de Ricardo Paes Mamede ter apresentado um conjunto de dados estatísticos relevantes para a compreensão da actual situação do País, João Ferreira realçou que o PCP coloca no centro dos debates sobre economia as condições de vida dos trabalhadores e das populações. Em seguida, identificou um duplo objectivo da política económica que o Partido propõe: «aumentar a produção de riqueza e distribuir melhor essa riqueza».
Assim, e paralelamente ao combate que trava contra as desigualdades e injustiças sociais e pelo aumento dos salários e pensões, o PCP pugna pelo crescimento económico, que, não sendo um fim em si, é determinante para «viver melhor, para dever menos, para comerciar mais». Ora, realçou João Ferreira, para o almejado aumento da produção nacional o investimento e, em particular, o investimento público. Só com investimento é possível expandir a capacidade produtiva instalada, modernizar as tecnologias e aumentar a produtividade. Desde 2012 que o investimento em Portugal não cobre sequer o desgaste do capital fixo, denunciou o primeiro candidato da CDU ao Parlamento Europeu.
João Ferreira assinalou ainda a necessidade de reforçar o controlo público sobre os sectores estratégicos da economia. «É preciso aprender com a experiência das privatizações e liberalizações», que levaram à diminuição do emprego, do investimento, da inovação, das receitas fiscais, dos próprios serviços, acrescentou, garantindo que o País precisa, para se desenvolver, de um «novo sector público dinâmico, moderno e activo», que contrarie a lógica monopolista prevalecente.
Como há muito o PCP vem dizendo, o Estado não pode estar confinado às funções de regulação e fiscalização económicas, que nunca serão efectivas sem serem acompanhadas da propriedade e gestão públicas.