Alunos de Belmonte entrevistam Jerónimo de Sousa

Miguel Inácio (texto)
Inês Seixas (fotos)

EDUCAÇÃO O Secretário-geral do PCP foi o primeiro convidado do projecto educativo «À descoberta de personalidades nacionais», dirigido aos alunos do terceiro e quarto ano do Centro Escolar de Belmonte.

Sozinhos éramos muito fracos. Mas todos juntos tínhamos força

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Jerónimo de Sousa – acompanhado por Patrícia Machado, responsável pela Organização Regional de Castelo Branco e da Comissão Política do PCP – foi recebido, na sexta-feira, 17, por todos os que brincavam no recreio, mas também pelos professores e auxiliares daquela escola situada em plena Cova da Beira. Mal o avistaram, os mais novos correram para junto do convidado, que também os abraçou, numa afinidade especial que não se consegue explicar, nem desligar.

Depois de conhecer a instituição, o Secretário-geral do PCP dirigiu-se até à Biblioteca, onde se desenrolou a iniciativa, dinamizada pelos docentes Anabela Afonso, Isabel Ramos, Albino Varanda, Cláudia Costa e Daniel Tomé, com o objectivo de dar a conhecer aos alunos algumas personalidades que se destacam no panorama nacional com o intuito de melhor conhecerem a diversidade das profissões. A primeira profissão foi a de político. «Para este projecto, nada melhor do que convidar Jerónimo de Sousa, que foi eleito Secretário-geral do PCP em 2004. Nós [alunos e professores] fizemos essa pesquisa», sublinhou, ao Avante!, Daniel Tomé, acrescentando outros factores que pesaram na escolha: «É uma pessoa muito afável, com carisma. Sendo pai e avô, sabe lidar com as crianças. Nada melhor do que fazer este baptismo com um grande notável.»

A entrevista começou com as palavras de David Camelo, director daquele agrupamento. «Estamos perante uma pessoa que levou toda a sua vida, e vai continuar a levar, a defender o povo português, os mais oprimidos, aqueles que mais sofrem», realçou aquele professor de história. «Continue com essa força até poder. O povo português precisou de si no passado e certamente que no futuro, nos próximos tempos, vai precisar ainda mais», realçou.

Tempos difíceis
De forma moderada, as perguntas iam prosseguindo, deixando sorrisos, ininterruptos, nos rostos. Gostou da sua infância? A primeira pergunta levou Jerónimo de Sousa a recordar que em criança também brincava e estudava, «num tempo diferente e muito difícil».
Também ali, em Pirescoxe (uma povoação da freguesia de Santa Iria da Azóia, Loures) a «vida era dura», sendo «a terra dos homens que não tinham tempo de ser meninos». A expressão, citada pelo entrevistado, é de Soeiro Pereira Gomes, militante do PCP e um dos nomes maiores do neo-realismo português. «Quando chegávamos à 4.ª classe o ensino ficava por ali», criticou, dando a conhecer outras situações profundamente «erradas»: «No meu tempo de criança não era possível estarem aqui, juntos, meninos e meninas» e «as primeiras reguadas que levei foi por ser canhoto. Hoje continuo a ser um esquerdino, numa prova de resistência e de afirmação.»

O exame da 4.º classe representava o fim da escolaridade e o início de uma vida adulta que começava bem cedo. Ainda fez o ensino preparatório em Lisboa, por insistência de um professor que lhe concedeu a possibilidade de fazer o exame de admissão ao curso industrial, o «parente pobre mais pobre dos liceus», e o esforço dos seus pais.

«Conhecíamos a realidade»
Mas aos 14 anos sabia que «a fábrica esperava por mim», tal como os outros «meninos da minha idade», que se tornaram operários, metalúrgicos, vidreiros e cerâmicos.

«Embora tivéssemos sonhos também conhecíamos a realidade. Não tínhamos ilusões. Não valia a pena pensarmos que queríamos ser doutores, engenheiros, professores, porque não havia alternativa», disse Jerónimo de Sousa, acentuando que um dos maiores crimes da ditadura «foi matar a inteligência de muitos jovens portugueses».

E qual a profissão que os seus pais queriam que seguisse?, perguntou um outro aluno mais adiante. «Coitados. Eles queriam é que eu fosse trabalhar. Éramos seis irmãos, com mais um a trabalhar, embora recebêssemos pouco, era mais uma contribuição para o orçamento familiar», adiantou.

Ser operário metalúrgico, na Fábrica de Aparelhagem Industrial (MEC), foi, assim, «a grande experiência» da sua vida, revelou, salientando que «a entrada na fábrica» deu-lhe «uma nova consciência». «Sozinhos éramos muito fracos. Mas todos juntos tínhamos força», destacou, manifestando grande orgulho em ter sido escolhido, em 1974, para integrar a Comissão de Trabalhadores do MEC.

«Os operários não podiam ser deputados»

Na entrevista não foi esquecida a figura de Jerónimo de Sousa como deputado à Assembleia Constituinte, de 1975 a 1976, e várias eleito para a Assembleia da República, entre 1976 e 1992 e, de novo, em 2002 até aos dias de hoje, o que não o fez perder a sua identidade. Neste ponto, lembrou que só foi deputado «porque houve o 25 de Abril de 1974», porque antes «os operários não o podiam ser».

Aos mais de 70 alunos, confessou que na primeira vez que entrou na Assembleia da República (AR) sentiu-se um pouco como «um peixe fora de água». Mas do Partido veio um conselho: «Tu és capaz de falar para mil trabalhadores num plenário, de fazer uma greve. Tu conheces os problemas sociais. Procura ser tu próprio. Tens o curso da vida».

Desertificação do interior
Entre outras perguntas, os alunos quiseram saber a sua opinião sobre o abandono do interior do País. «Essa desertificação tem a ver com a falta de apoios ao desenvolvimento económico, à industrialização, ao apoio à pequena e média agricultura», apontou, destacando que, cada vez mais, Portugal está «inclinado para o mar». «Este é um problema de fundo que vocês vão ter de ajudar a resolver quando forem grandes», apelou, salientando que é preciso «uma política diferente, que transforme a produção nacional num imperativo nacional».

Lutar pelo futuro
A todos, deixou ainda uma certeza em relação à pergunta «até que idade pensa estar na vida política»: «Enquanto mexer os dedos dos pés, não vou desistir da política e vou continuar a lutar pelo meu povo», garantiu. Por isso, não ambiciona «escrever um livro sobre a sua vida», uma vez que tem «mais projectos que memória».

Na entrevista, ficámos ainda a saber que o seu dia mais feliz foi a «manhã do 25 de Abril de 1974» e que a sua música preferida é «Pedra filosofal», um poema de António Gedeão, musicado por Manuel Freire, porque «eles não sabem nem sonham; que o sonho comanda a vida; que sempre que um homem sonha; o mundo pula e avança; como bola colorida; entre as mãos de uma criança».




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