Um direito do povo
O serviço da dívida pública portuguesa é um fardo pesadíssimo que compromete o presente e o futuro do País. Esta foi uma das conclusões saídas da sessão pública anteontem promovida pelo PCP.
«Continuam as ilusões, as ambiguidades e as tibiezas»
Apresentada por Vasco Cardoso, da Comissão Política, a sessão contou com um rol de intervenções que abordaram sob diversas perspectivas e pontos de vista o grave problema da dívida e a necessária renegociação. A lançar o debate, Agostinho Lopes, do Comité Central, começou por recordar que, a 5 de Março de 2011, Jerónimo de Sousa falou na necessidade de «renegociar a dívida pública, desenvolver a produção nacional», em vésperas do pedido do governo PS/Sócrates para a intervenção da troika. Nesse mesmo dia, a banca veio publicamente recusar empréstimos ao Estado e exigir o recurso ao FMI.
Nessa ocasião, lembrou ainda Agostinho Lopes, o Secretário-geral do PCP denunciou o «insuportável e ilegítimo processo de extorsão dos recursos nacionais, por via da especulação das taxas de juro sobre a dívida pública portuguesa» e reclamou, de igual forma, «a renegociação imediata da actual dívida pública» com a reavaliação dos prazos, taxas de juro e montantes a pagar. O PCP defendeu igualmente a intervenção junto de outros países que enfrentam problemas similares visando uma acção convergente para barrar a espiral especulativa, a par da revisão dos estatutos e objectivos do BCE. O objectivo era, então como hoje, libertar recursos para que fosse possível uma política virada para o crescimento económico, a defesa e promoção da produção nacional, a diversificação das fontes de financiamento e a avaliação das parcerias público-privadas.
Esta proposta do PCP, que juntamente com outras afirmava um caminho de ruptura com a política dos PEC e alternativo à ingerência externa e à chantagem dos «mercados», foi então «silenciada» ou considerada, nos «melhores epítetos», de «irrealista» ou «desajustada». Entretanto, valorizou o membro do Comité Central, houve «avanços significativos, mesmo se não decisivos, na compreensão e consciência, teórica e política, do problema da dívida» e a ideia de renegociação foi progredindo, mesmo que em moldes diferentes aos propostos pelo PCP. Esta evolução foi o reflexo das lutas dos trabalhadores dos povos da Europa, sublinhou.
Ataque especulativo
O deputado Paulo Sá destacou, mais adiante, que se dúvidas houvesse, há cinco anos, sobre a validade da proposta do PCP, elas estão hoje dissipadas, pois a dívida pública portuguesa é insustentável, representando em finais de 2015, e segundo o INE, 128,8 por cento do PIB. A vida deu uma vez mais razão ao PCP, acrescentou, realçando o brutal programa «eufemisticamente chamado “de ajustamento”» que acentuou a exploração dos trabalhadores, empobreceu as populações e afundou a economia nacional, «sem que o problema da dívida fosse resolvido, nem sequer mitigado».
Se é certo, para Paulo Sá, que o País «perdeu muito por não ter iniciado o processo de renegociação da sua dívida pública em 2011, tal como o PCP propôs», ele perderá muito mais se continuar a «submeter-se às imposições e interesses dos credores e não encetar esse processo».
Após explicar os contornos do «ataque concertado, massivo e especulativo» de que a dívida soberana portuguesa foi alvo em 2011 por parte dos mercados financeiros, o deputado comunista rejeitou os argumentos dos defensores dos credores, que atribuíram o crescimento da dívida pública aos alegados «gastos excessivos do Estado», teoria que, garante, não encontra qualquer sustentação nos factos. Se então a dívida e os seus encargos anuais estavam a aumentar exponencialmente tal devia-se apenas e só ao «ataque especulativo que os mercados financeiros desencadeavam contra Portugal».
A proposta do PCP, apresentada por diversas vezes desde 2011 e outras tantas chumbada por PS, PSD e CDS, garantiu Paulo Sá, «atacava o problema pela raiz e rejeitava qualquer tentativa de responsabilização abusiva dos trabalhadores e do povo, que seria utilizada, como os acontecimentos subsequentes vieram a comprovar, para os espoliar dos seus direitos e rendimentos».
«Austeridade perpétua»
sem a renegociação
No peso atribuído aos diversos factores de crescimento do endividamento público nacional, o economista José Lourenço (membro da Comissão de Actividades Económicas do PCP) destacou a adesão de Portugal à União Económica e Monetária e ao euro, mas sublinhando que outras razões existem para «estes 13 anos perdidos». A causa primeira, realçou, está na política de «destruição do aparelho produtivo, levando a que quanto menos se produza mais se deva ao exterior». Os «gigantescos apoios públicos dados à banca», aos transformarem dívida privada em dívida pública, representaram igualmente um grande esforço para o Estado português.
Sem renegociação da dívida, acrescentou José Lourenço, o que espera o povo português é a «austeridade perpétua, o definhamento e o declínio nacional». Qualquer política alternativa não pode passar ao lado deste constrangimento, que tem outras duas faces, «a necessidade de preparar o País para a libertação da submissão ao euro e a recuperação do controlo público sobre a banca», concluiu.
O professor universitário Ricardo Paes Mamede, que saudou o PCP pela proposta pioneira que apresentou há cinco anos, considerou a renegociação da dívida uma questão crucial para o futuro do País. Em sua opinião, a elevada dívida pública e externa de Portugal tem implicações na sua soberania e nas perspectivas do seu desenvolvimento. O docente rejeitou ainda a tese de que o chamado «memorando da troika» tenha falhado nos seus objectivos. Pelo contrário, ele propunha-se precisamente a garantir o pagamento integral dos empréstimos dos grandes credores e a colocar o País sob «tutela» de tipo colonial. A terminar, Ricardo Paes Mamede realçou que a necessária renegociação da dívida portuguesa pode ser feita de uma de duas formas: negociando com as instituições internacionais (na qual coloca poucas esperanças) ou assumindo uma postura firme e predisposta à ruptura.
Outro professor universitário, Sandro Mendonça, fez um breve historial da evolução da dívida pública portuguesa, realçando que entre 1974 e 1999 a situação de Portugal não divergia muito da média dos países capitalistas do mundo. É sobretudo a partir de 2004 (após a adesão ao euro) que a situação se altera, com a dívida pública a disparar. No caso português, acrescentou, o serviço da dívida é um «transvase» de recursos para o estrangeiro.
Para alterar a situação do País, o professor defendeu o aumento da receita fiscal através da taxação das transacções financeiras, das grandes fortunas e dos esquemas de fuga fiscal, lembrando que a Holanda e o Luxemburgo, por exemplo, funcionam como verdadeiros «offshores».
Números reveladores
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No final de 2015, a dívida pública portuguesa correspondia a 128,8 por cento do PIB, na óptica de Maastricht. A dívida externa, medida pela posição de investimento internacional, correspondia a 109,4 por cento;
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Entre 2011 e 2015, o Estado pagou em juros 40,8 mil milhões de euros, o equivalente a 23 por cento do PIB de 2015. Somando o que se prevê pagar este ano, 8,5 mil milhões, o total ascende a perto de 50 mil milhões de euros;
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Até 2021, Portugal terá que pagar 80 mil milhões de euros de encargos com a dívida;
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Portugal gastou em 2015 em pagamentos com juros da dívida 4,7 por cento do PIB, bem mais do que a Grécia (4,1%) e a Itália (4,2%) e o dobro da média comunitária;
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Entre 2014 e 2020, Portugal conta receber de fundos estruturais da União Europeia cerca de 25 mil milhões de euros (metade do que saiu do País entre 2011 e 2015 em juros da dívida);
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Entre 2008 e 2015, pelo menos 11,2 por cento do PIB, mais de 20 mil milhões de euros, foram canalizados para apoiar a banca privada.