Pôr cobro ao saque
Sem desvalorizar simplificações que o tornem «mais transparente e perceptível por parte dos cidadãos», o que verdadeiramente importa em qualquer reforma do IRS, na perspectiva do PCP, é a eliminação do saque fiscal dirigido contra os rendimentos do trabalhadores e a «introdução de maior justiça e equidade nesse imposto aumentando a sua progressividade».
Esta posição foi expressa pelo deputado comunista Paulo Sá, na noite de segunda-feira, primeiro dia das Jornadas, ao intervir na sessão pública realizada em Santa Iria de Azóia, Loures, subordinada à política fiscal.
Não acreditando nas boas intenções do Governo, que anunciou para breve a apresentação de uma proposta de reforma do IRS, o parlamentar do PCP afirmou que aquele irá, «com certeza», embora recorrendo a camuflagens, «manter o saque fiscal dirigido contra os rendimentos dos trabalhadores, tentando tornar definitivo aquilo que anunciou inicialmente como provisório».
Saque fiscal sobre os trabalhadores que espelha bem a natureza de classe das opções deste Governo e que está em linha com a injusta e iníqua política fiscal incrementada nas últimas décadas pelos governos do PS, PSD e CDS-PP, onerando os trabalhadores, os reformados, as famílias e as micro e pequenas empresas, ao mesmo tempo que favorece e alivia o grande capital.
Da dimensão brutal desse saque fiscal falou Paulo Sá, lembrando que em 2013 – fruto da redução de escalões de 8 para 5, da redução das deduções à colecta (despesas de saúde, educação, casa própria) e da sobretaxa de 3,5% – houve um aumento da receita de IRS de 35,5%, prevendo o Governo que em 2014 haja um novo aumento da receita fiscal em sede de IRS que ficará 40,2% acima da receita obtida em 2012. «Só nestes dois anos, 2013 e 2014, o Estado arrecadará 6900 milhões de euros de euros a mais do que teria arrecadado se o IRS se tivesse mantido aos níveis de 2012», detalhou o deputado do PCP.
Revelador desta transferência de riqueza do trabalho para o capital, por opção dos governos, estão ainda outros indicadores lembrados por Paulo Sá, como seja, por exemplo, o facto de o IRS em 2000 representar 55,5% dos impostos directos, e, em 2013, representar 67,3%.
Outra das marcas da política fiscal injusta é o aumento dos impostos indirectos, como o IVA, «que não têm em conta o rendimento nem o património do contribuinte», referiu Paulo Sá, que lembrou ser esta também uma peça central do saque fiscal contra os trabalhadores. E por isso a batalha do PCP no sentido de alterar esta situação, «garantindo una maior progressividade nos impostos cobrados aos portugueses».
Na antípoda desta realidade surgem os «múltiplos e generosos benefícios e isenções fiscais» concedidos aos grandes grupos económicos e financeiros. Os exemplos abundam, como é o caso dos benefícios fiscais atribuídos em 2011, em sede de IRC, na ordem dos 1500 milhões de euros, mais de dois terços dos quais atribuídos a sociedades gestoras de participações sociais (SGPS). Benefícios esses às SGPS (1045 milhões de euros) que o Governo tentou ocultar, omitindo-os da Conta Geral do Estado de 2012, como bem assinalou Paulo Sá, que sublinhou não ser este caso único de «ocultação e deturpação dos benefícios fiscais ao grande capital».
Mas o favorecimento dos grandes grupos económicos e financeiros não se confina aos benefícios fiscais, como mostra a chamada reforma do IRC, levada a cabo pelo Governo PSD/CDS-PP com o apoio do PS, que diminuiu a taxa nominal de 25% para 23%, com a perspectiva da sua diminuição até 17% nos próximos anos. Trata-se, afinal, de mais um exemplo que desmente a falácia governamental de que os sacrifícios impostos no âmbito dos PEC e do pacto de agressão tocavam a todos. Como é ainda o Tribunal de Contas que o comprova quando evidencia que de 2010 para 2012 a despesa fiscal associada aos benefícios fiscais diminuiu para o IRS (-34%) e para o IVA (-22%), enquanto para o IRC aumentou 54%.
Na sessão pública intervieram ainda o economista Eugénio Rosa, que abordou a opção de classe na política fiscal dos sucessivos governos, José Brinquete, secretário-geral da CPPME, sobre a tributação das PME, o economista Ricardo Oliveira, sobre a tributação do capital financeiro e a economista Ana Oliveira, que analisou o embuste da «Reforma da Fiscalidade Verde».