Pelo direito a ser pessoa
A Festa do Avante!, momento ímpar anual da vida do PCP, partido em cujos estatutos, logo no seu artigo segundo, se afirma a «base teórica o marxismo-leninismo: concepção materialista e dialética do mundo, instrumento científico* de análise da realidade e guia para a acção…», é sobretudo, e entre muitas outras coisas, uma expressão ideológica baseada numa história de muitas décadas de estudo e acção sobre a realidade, processo no qual a aprendizagem, a reflexão e o estudo são parte indissociável.
Não surpreende, portanto, que sejam já quinze os anos em que a Ciência marca presença, em espaço dedicado, na Festa do Avante!. O que poderá eventualmente surpreender alguém que ainda não conheça a Festa, quem a faz e quem dela desfruta, é o interesse generalizado, e transversal a todas as gerações, por esse mesmo espaço reservado à Ciência e que este ano se repetiu, em quantidade e qualidade curiosa.
A exposição «SEXUALIDADE – mecanismos e identidades – A VIDA CONTINUA!», acolheu os seus visitantes iniciando o percurso por este tema com uma abordagem inicial do ponto de vista da biologia, onde se explicava, através dos painéis expostos, conceitos como a «tripla hélice», nome metafórico atribuído comummente pelos biólogos à reacção dialéctica entre gene, organismo e ambiente, considerada como a relação basilar da evolução das espécies. Também as origens da reprodução sexuada ali foram explicadas, bem como referências ao crucial trabalho de Charles Darwin, que constituiu um enorme salto em frente na compreensão científica da evolução das espécies, trabalho esse que, servindo de base sólida, tem sido aprofundado, rectificado e mesmo corrigido por novas propostas, estudos e perspectivas científicas, e em distintas disciplinas.
Na exposição deste ano podia-se aprender, ou relembrar, a história da luta dos movimentos sociais e políticos pelos direitos sexuais, ou como Francisco Allen Gomes, psiquiatra «pioneiro da sexologia» no nosso País, se referiu no debate em que participou naquele espaço: a luta «pelo direito a ser pessoa».
E nessa história, tal como se verificava pela leitura de um dos painéis, se compreendia o extraordinário alcance da Revolução bolchevique: foi nesse período pioneiro da emancipação humana, e pela primeira vez, descriminalizada a homossexualidade feminina e masculina, tal como foram postos em causa os laços tradicionais da relação entre homens e mulheres, no sentido da liberdade afectiva e sexual dos indivíduos.
É, sobretudo no século XX, como ali se descreveu, que se consubstanciam os principais movimentos pelos direitos e liberdade sexual, como componente do desenvolvimento humano, e que prosseguem até aos dias de hoje, com conquistas bem firmadas e indeléveis na sociedade.
O enquadramento da sexualidade, muito além do seu papel na reprodução, e como parte central da vida humana, tem também, e inevitavelmente, o seu papel como instrumento de classe, subjacente ao desenvolvimento das forças produtivas e ao modo de produção. «Sexualidade e Capital» foi um dos segmentos desta exposição no Espaço Ciência, em que se demonstrava a necessidade de combater, também neste campo, a «moral burguesa» que agrilhoa e impede o direito à liberdade individual e à diferença, como ferramenta de dominação, de submissão e de perpetuação da exploração, subtraindo a procura da felicidade e de realização afectiva do indivíduo.
O papel da Revolução de Abril e da Constituição de 1976 teve particular relevância pela criação das condições para a mudança política e legislativa que abriu o caminho à consagração da igualdade entre indivíduos, do seu direito à diferença e à sua liberdade individual. Em todo este processo histórico no nosso País, o PCP, e os militantes comunistas, quer institucionalmente, quer pelo seu contributo e acção nas organizações de massas, são descritos como fundamentais, como se podia comprovar nos painéis dedicados aos «40 anos de Abril – Direitos, Liberdades e Garantias». Exemplo recente dessa actividade é a Lei 60/2009 que estabelece a aplicação da Educação Sexual no Ensino Básico e Secundário.
A sexualidade, enquanto parte crucial da vida humana, também o é na expressão humana, tendo sido escolhidos exemplos artísticos, representados em diversos painéis, onde esta temática convive com o apurado sentido estético em disciplinas artísticas tão diversas como o cinema, a fotografia, a dança, a pintura, a poesia e a música.
Os debates do Espaço Ciência são sempre um fervilhar de actividade, informação e troca de opiniões. Sendo o tema da Sexualidade por vezes ainda muito controverso, indicador de um longo caminho a percorrer em que cada discussão sobre os «outros» é sempre também uma discussão sobre nós próprios, os debates deste ano foram, como Augusto Flor, membro do Grupo de Trabalho da Ciência da Festa do Avante, os definiu, «debates fortes, que dizem respeito a todos», à definição e assunção de «identidades próprias», e que incluíram, até, «a exposição pessoal de alguns dos participantes».
Sexualidade na Comunicação Social e na Publicidade, realizado na sexta-feira, Sexualidade – Identidade, direitos e liberdades e A educação sexual na família e no sistema de ensino, realizados no sábado, respectivamente, às 15 e às 18 horas, foram os temas dos debates deste ano, aos quais se juntou «A sexualidade no Espaço», tema pretexto para Máximo Ferreira, astrónomo com presença obrigatória e unanimemente prazerosa neste Espaço Ciência, falar aos participantes da sonda Rosette que irá estudar, através de um módulo que se acoplará a um cometa, as partículas primordiais do nosso sistema solar e que são também, em todo o rigor, as partículas constituintes da vida humana.
O Espaço Criança demonstrou como, desde o nascimento até à puberdade, a sexualidade, de formas diversas, está presente nos mais novos, desde a descoberta do corpo, próprio e dos outros, passando pelos «enamoramentos ternos, em que se ensaia no sonho e no jogo o papel de adulto».
*sublinhado nosso