A partidarização das Forças Armadas

António Rodrigues

LUSA

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A afirmação de Álvaro Cunhal (A Revolução Portuguesa – O Passado e o Futuro) de que «o movimento dos capitães traduz, nas Forças Armadas, a tomada de consciência do povo português da necessidade do fim da guerra e da pronta liquidação do fascismo» mostra, com clareza, que os militares não precisam de ser apolíticos para serem fiéis ao preceito constitucional, com o qual concordamos plenamente, que estabelece as Forças Armadas como «rigorosamente apartidárias».

Vem isto a propósito da tentativa do Governo, aparentemente com o apoio dos chefes militares, pretender castrar os oficiais, sargentos e praças do exercício de um direito de cidadania como o ser eleito para o exercício de cargos públicos, propondo que, na futura Lei de Defesa Nacional, os militares do quadro permanente que sejam eleitos para a Presidência da República, Assembleia da República e Poder Local sejam abatidos ao efectivo das Forças Armadas e, deste modo, percam o vínculo que os liga à instituição militar.

Tudo isto suportado em patéticas afirmações, como as do ministro da Defesa Nacional, mas não só, sobre a “equidistância partidária dos militares” a necessidade do “rigoroso apartidarismo dos militares” e de os “militares não fazerem política”, como se, por exemplo, as chefias militares quando cumprem as orientações dos governos não estivessem a fazer política.

Esta proposta da maioria governamental é um profundo exercício de hipocrisia, sobretudo porque, nos últimos anos, as alterações legislativas na área da Defesa Nacional têm como único sentido o processo de centralização e governamentalização das Forças Armadas, com perdas sucessivas de autonomia da instituição militar, nomeadamente no que respeita à escolha dos chefes militares – CEMGFA, CEME, CEMA e CEMFA, mas também na forma de escolha dos oficiais generais e na promoção de generais de duas a três estrelas. Alterações essas promovidas por PSD, PS e CDS, que conduziram o método a uma escolha inequívocamente política-partidária porque os governos emergem dos partidos e os primeiros-ministros são líderes das forças partidárias, com alguns casos em que essas escolhas sugerem uma discriminação política (e não falamos de discriminação partidária), num processo de afunilamento de opções em que é cada vez mais ténue a linha que, pelo menos aparentemente, ainda separa o topo da hierarquia das Forças Armadas dos partidos do “centrão”.

Aliás, importa perguntar aos putativos puristas se não acham que, por exemplo, os chefes de gabinete dos ministros da Defesa Nacional não deviam ser oficiais generais na reserva em vez de estarem no activo e, nalguns casos, serem até promovidos à pressa para o exercício desses cargos. Porque, como todos sabemos, os chefes de gabinete fazem política e de tal modo é assim que muitas vezes isso tem consequências na carreira militar (e nem precisamos de recuar muito no tempo para constatarmos como isto é verdade). E, a talhe de foice, quem não se lembra de ver um militar chefe de gabinete (com uma longa carreira militar...) nos bastidores do Coliseu a dar uma mãozinha ao ministro da Defesa que era também candidato a líder do PSD? E os militares que exercem o cargo de Director Geral de Política de Defesa Nacional, não fazem política? Será a função de Director Geral mais independente partidariamente do que quem exerça um cargo de presidente de Câmara ou de uma Junta de Freguesia? E um militar que concorra às autárquicas numa qualquer lista de cidadãos eleitores tem de ser abatido ao quadro porque faz política, mas quem é que não faz política? Veja-se o caso do recém nomeado Comandante da GNR que vem de um cargo (Protecção Civil) de nomeação política. Ou será que o problema não está tanto na política que se faz mas antes nas opções que se tem?

Não é o exercício de cargos públicos que põe em causa a coesão e a disciplina da instituição militar, mas sim a permanente agressão ao Estatuto da Condição Militar e a política de desmantelamento das Forças Armadas, tal como constitucionalmente existem, numa estratégia de perda de capacidades e de esvaziamento das Forças Armadas dos pequenos países e a sua periferização face às grandes potências. Não é o exercício de cargos públicos por militares que põe em causa a coesão e a disciplina, mas sim a aplicação de uma política de submissão a interesses externos, em confronto com a Constituição da República.

Afinal, quem tem medo da liberdade e da democracia?

 



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