Inaceitável subversão constitucional
A única solução para o cumprimento do acórdão do Tribunal Constitucional que declarou a inconstitucionalidade de três normas do OE é o «respeito pela Constituição e o pagamento dos dois subsídios por inteiro a todos os trabalhadores».
Governo adopta táctica de guerrilha contra o TC e contra a Constituição
«Não o fazer», sustentou o Secretário-geral do PCP, significa continuar o «confronto com a Constituição e com o TC» e só pode interpretar-se como uma «atitude revanchista já não só contra o TC mas contra os próprios trabalhadores que têm este direito».
O tema esteve em destaque no debate quinzenal da passada sexta-feira, com Jerónimo de Sousa, o primeiro a intervir, a dedicar-lhe uma justificada relevância e a considerá-lo um elemento marcante da actualidade política, a par do agravamento da situação económica e social.
Aquilo a que o País assiste é a uma «táctica de guerrilha contra o TC, melhor dizendo contra a Constituição, com episódios sucessivos, envolvendo a própria Assembleia da República como frente de pressão», constatou o líder comunista, que teceu duras críticas quanto ao facto de o Governo insistir em não querer cumprir o acórdão do TC, agora a propósito do pagamento por inteiro de subsídio de Natal, depois de ter recuado no que toca ao subsídio de férias.
Afirmações graves
«É inaceitável esta persistente campanha de subversão constitucional que está patente em mais este episódio, mas que nos últimos tempos assume uma dimensão inqualificável», afirmou o Secretário-geral do PCP.
Não esquecida por si foi também a recente posição pública assumida pelo primeiro-ministro de concordância e apoio à vice-presidente do PSD e deputada Teresa Leal Coelho, pelas declarações que esta proferiu sobre o Tribunal Constitucional.
Por entender que tais afirmações são de uma «grande gravidade», dirigindo-se ao chefe do Governo, o líder comunista deixou a pergunta: «Os juízes do Tribunal constitucional são bons e cumprem bem a sua função se estão de acordo com a visão filosófico-política do PSD, nomeadamente a sua visão sobre a União Europeia e são maus quando não estão de acordo?»
«O que quer dizer quando se afirma que alguns juízes “criaram a ilusão de que tinham uma visão filosófico-política que seria compatível com aquilo que é o projecto reformista que temos para Portugal no âmbito da integração na União Europeia”?».
«Que temos? Quem? O PSD? Julga que já pode mandar em tudo?», voltou a inquirir Jerónimo de Sousa, insistindo para que o primeiro-ministro esclarecesse essa «solidariedade à luz da Constituição, da independência dos órgãos de soberania, designadamente do TC e dos seus juízes».
Fraca defesa
Afirmando não alimentar uma «guerrilha» contra o TC ou querer furtar-se ao cumprimento do acórdão por este lavrado, Passos Coelho, na resposta, contra todas as evidências, negou que haja da parte do Governo o intuito de utilizar a AR como «frente de pressão».
E quis fazer crer que o pedido de aclaração do acórdão que fez à presidente da AR para que esta endossasse ao TC foi no «respeito pelo papel da AR, que é quem aprova o OE».
Socorreu-se ainda da declaração de voto da vice-presidente do TC sobre o acórdão para concluir que o texto «mostra que entre os juízes do TC não existe uma unanimidade quanto aos termos em que o tribunal tem apreciado as matérias que o Parlamento tem aprovado».
Já sobre as afirmações da correligionária Teresa Leal Coelho, Passos Coelho reafirmou-lhe apoio e concordância, nomeadamente quando aquela diz que «se [os juízes] não estão disponíveis para escrutínio, não têm condições para o exercício desses lugares».
«Isso foi dito numa entrevista publicada e eu não posso estar mais de acordo», rematou o primeiro-ministro, que confessou «acompanhar ainda completamente» outra afirmação feita nessa entrevista, a saber a de que é «muito importante ter uma noção de como o TC entende as obrigações do Estado no contexto da sua participação na zona euro e da União Europeia».
«Fraca defesa das posições», assim avaliou o líder do PCP a argumentação que o primeiro-ministro acabara de aduzir quanto ao acórdão do TC, nomeadamente por recorrer a uma declaração de voto de vencido naquele órgão. É que o importante, observou, é saber que os «juízes, por unanimidade, em relação ao pedido de aclaração, responderam claramente que não tinham que aclarar nada e que o Governo é que tinha de encontrar as formas de aplicar o acórdão».
Foi o retomar da tese de que o «País está melhor, o povo é que está pior», reagiu Jerónimo de Sousa, comentando a afirmação do primeiro-ministro de que o «País não está em recessão», de que há «recuo da taxa de desemprego» e «aumento do emprego», em suma, de que «não estamos a viver uma situação de agravamento da situação económica e social mas de desagravamento».
Se assim fosse – e esta é a contradição que o líder comunista pôs a nu e que em sua opinião Passos «nunca resolverá» –, como é que tal cenário se compagina com a afirmação recente do Banco de Portugal de que o «preço da consolidação orçamental significará mais sete mil milhões de euros de austeridade até 2019?»
É que se o Governo não mexe nos interesses dos grandes grupos económicos, não mexe nas grandes fortunas que continuam a crescer, nem quer resolver o problema das PPP e dos contratos SWAP – «ou seja não quer ir buscar dinheiro onde ele está», frisou –, isso só pode significar que «vai buscar com toda a certeza, uma vez mais, aos do costume, aos trabalhadores, aos reformados, aos pequenos e médios empresários», concluiu o Secretário-geral do PCP.
Daí ter insistido na questão de saber se foi o «Banco de Portugal que se precipitou» ou se tal declaração não vai afinal ao encontro do que o Presidente da República afirmou quanto ao País ter pela frente mais 25 anos de austeridade.
Seja como for, para o PCP, o que este caso vem patentear é a continuada «fuga para a frente» do Governo e sua persistente operação de «mistificação».
E porque o seu objectivo central continua a ser o «aumento da exploração, o empobrecimento dos trabalhadores e do povo, este é um Governo condenado e sem futuro», vaticinou Jerónimo de Sousa.