Afirmar a soberania e independência
Jerónimo de Sousa acusou o Conselho e a Comissão Europeia de aberta «ingerência» na vida nacional, adoptando «recomendações» que na prática se traduzem em «ordens».
Conselho Europeu age em total desrespeito da vontade popular e soberana e dos órgãos de soberania
«Até aqui tínhamos a troika e as suas imposições, agora temos outra vez o Conselho e a Comissão a dizer directamente o que vamos fazer, numa inaceitável ingerência nas decisões que cabe tomar ao povo português e aos seus órgãos de soberania», afirmou o Secretário-geral do PCP, na AR, sexta-feira passada, no debate com o primeiro-ministro preparatório da reunião do Conselho Europeu de hoje e amanhã em Bruxelas.
Diferentemente do que apregoa a «propaganda da libertação» que tem alimentado o discurso do Governo para consumo interno, o que as «recomendações» que nos são dirigidas veiculam é a continuação de um conjunto de «imposições, de chantagem e ingerência» da União Europeia, considerou o líder comunista, sublinhando que essa conduta é ainda por cima agravada por um «grosseiro acto de desrespeito por um órgão de soberania nacional – o Tribunal Constitucional – e um inaceitável ataque à Constituição da República».
E a este propósito, interpelando directamente o primeiro-ministro, até admitiu que este «seja crítico quanto ao TC, enquanto português». O que já intolerável, na perspectiva do dirigente comunista, é que se fique quedo e mudo perante o que diz um estrangeiro – o comissário dos Assuntos Económicos, Olli Rehn, por exemplo – que veio dizer o que disse em relação à nossa Constituição e ao nosso Tribunal Constitucional.
«Cala-se?», perguntou, antes de deixar um «apelo», direccionado, «mais do que ao primeiro-ministro, a um português que deveria ter esta dimensão relativamente às nossas instituições e à Constituição», a vontade de «afirmar a nossa soberania, a nossa independência nacional».
Chantagem
Razões, fundadas razões há assim para a indignação que perpassou nas palavras do dirigente do PCP não só quanto à forma e atitude como em relação ao conteúdo das directivas emanadas do Conselho.
Para o PCP, não oferece dúvida que a referência feita no documento daquele órgão ao chumbo das medidas do TC – «o Governo poderá ter de recorrer a medidas menos promotoras do crescimento, designadamente do lado da receita», lê-se no documento do Conselho – constitui «uma chantagem sobre o Governo português para imposição de aumento dos impostos».
Mas não se fica por aqui, como assinalou Jerónimo de Sousa: «diz que “substitua as medidas de consolidação consideradas inconstitucionais pelo TC por medidas de dimensão e qualidade análogas, o mais rapidamente possível” e que em 2015 aplique “rigorosamente a estratégia orçamental conforme estabelecido no DEO”. Isto é, por cima das decisões do Tribunal».
Em suma, um «total desrespeito da vontade popular e soberana e dos órgãos de soberania», concluiu o deputado e dirigente comunista, num debate onde se registou a convergência do PS e Governo em torno do nome de Jean Claude Juncker para próximo presidente da Comissão Europeia e foi igualmente notória a preocupação do PS por ter uma palavra a dizer quanto ao comissário europeu a indicar por Portugal.
Servir o capital
Alvo de dura crítica foram entretanto outras orientações e objectivos que constam do documento, como seja, além do plano de privatizações, a «continuidade dos cortes nos serviços de saúde e a revisão da tabela salarial da função pública».
A insistência na privatização dos portos portugueses e na desqualificação laboral dos trabalhadores portuários, bem como a continuação de privatização do sector ferroviário e da CP Carga, constituem outras tantas linhas de orientação provenientes do Conselho que o PCP rejeita.
Tal como se opõe ao incentivo que é feito à «continuação das políticas de precariedade laboral e de abaixamento salarial», ou ao ataque brutal à contratação colectiva que está presente na proposta de «modalidades de derrogação» dos ACT.
Criticado de forma severa por Jerónimo de Sousa foi ainda a circunstância de o Conselho assumir que o «“ajustamento” teve repercussões negativas na pobreza», sem que isso contudo o tenha levado a alterar uma vírgula que seja o «plano e a lógica das políticas da troika».
A Leste dos povos
«Cada vez mais longe das aspirações dos povos», assim vê Jerónimo de Sousa o actual panorama da União Europeia, como aliás as últimas eleições para o Parlamento Europeu vieram testemunhar.
E «em vez de se emendar a mão», observou, persiste-se pelo mesmo caminho. A proposta de conclusões deste Conselho Europeu – o primeiro depois da saída formal da troika do nosso País, que assim passa a ficar integrado no Semestre Europeu – assim o comprova, tratou de realçar o líder do PCP, referindo que por trás da «linguagem do europês oficial» o que se propõe são as mesmas já bem conhecidas linhas de orientação e objectivos.
Desde logo, exemplificou Jerónimo de Sousa, a «política de despedimentos na administração pública e de encerramento de serviços públicos, sob o manto da reforma da administração pública e da dita “reforma dos sistemas educativos”».
Mas é também, prosseguiu, a política de privatizações e liberalização dos serviços de apoio às populações, «sob a capa da reforma “do mercado de produtos e serviços”».
Destaque ainda para a «fragilização dos sistemas de protecção social à conta da redução da chamada taxação sobre o trabalho, ou seja da redução do esforço do capital para a Segurança Social».
São estas recomendações que o Conselho Europeu que tem hoje início vai aprovar e monitorizar.