Grave afronta aos juízes do TC
As palavras de altos responsáveis do Governo e do PSD sobre o acórdão do TC que decretou a inconstitucionalidade de normas do OE para 2014 são de enorme gravidade e constituem um ataque sem precedentes aos juízes que compõem aquele órgão de soberania.
Há uma violação grave do relacionamento que deve existir entre instituições da República
O tema acabou por estar muito presente nas declarações políticas que dominaram a agenda da sessão plenária do passado dia 11, com o deputado comunista António Filipe a considerar que se está perante uma atitude de «confronto e guerra aberta contra o Tribunal Constitucional».
E reputou de «gravidade extraordinária» o que tem sido dito por dirigentes laranja e nunca desmentido ou desautorizado pelo PSD.
Ao contrário do que a direita tenta fazer crer, não está em causa o direito à crítica ou à discordância. Aquilo com que se está confrontado não é isso, insistiu o deputado do PCP, que lembrou as várias fases pelas quais este processo já passou, com início na «fase da crítica e da discordância», para passar à «fase da chantagem», depois à «fase da ameaça», até à actual que classificou de «enorme gravidade» quer do ponto de vista democrático quer do funcionamento das instituições.
Referia-se a uma entrevista de Teresa Leal Coelho onde esta deixava subentendido ter havido uma espécie de engano na escolha dos juízes do TC e lamentava o facto de estes não fazerem aquilo que o PSD quer, nem decidirem politicamente segundo as orientações do Governo. Estão sob fogo por «decidirem, imagine-se, em sua consciência e de acordo com o entendimento que fazem da Constituição», ironizou o deputado do PCP.
António Filipe, que interpelava a deputada da bancada do PS Isabel Moreira (esta criticara violentamente a postura do Governo e do PSD nesta matéria mas achou não estar em causa o regular funcionamento das instituições democráticas), insurgiu-se ainda quanto à ideia de aplicar «sanções jurídicas» aos juízes do TC, como advogou a parlamentar laranja nessa entrevista que deu ao Público.
Perante tudo isto considerou que este caso configura uma «violação gravíssima do relacionamento que deve existir entre instituições da República», sendo uma atitude que «põe seriamente em causa o regular funcionamento das instituições democráticas». E nessa medida questionou-se se é concebível e aceitável que o PR – que tem como função constitucional cumprir e fazer cumprir a Constituição e zelar pelo regular funcionamento das instituições democráticas – permaneça em total silêncio perante uma «tão grave afronta aos juízes do TC».
Escalada de confronto
O líder parlamentar do PCP, João Oliveira, pegaria também no tema na sequência da declaração política da deputada ecologista Heloísa Apolónia (que a ele dedicara também uma particular atenção) para criticar desde logo o silêncio sobre o assunto a que se remeteram os partidos da maioria, e que interpretou como uma fuga às responsabilidades pela «degradação da situação política para que arrastaram o País».
Degradação que tem raízes, na perspectiva do PCP, no facto de este ser um Governo «sem legitimidade para se manter em funções», uma vez que dispõe de uma maioria formal na AR mas que em rigor é «artificial» porque já não corresponde nem à vontade nem às opções políticas dos portugueses. A concorrer para este quadro de forte erosão está, por outro lado, a «escalada de confronto» entre o Governo e outros órgãos de soberania, nomeadamente com o TC.
João Oliveira insistiu que as afirmações de deputados e dirigentes dos partidos da maioria, incluindo a de Teresa Leal Coelho, deixam a entender que a indicação dos nomes para o TC resulta de uma «ilusão», porque, pelos vistos, o PSD estava a «contar ter os juízes de alguma forma presos por arreata». E, dessa forma, acrescentou, pensou que teria garantida uma interpretação da Constituição que desse «cobertura à sua política de sucessiva e reiterada violação da Constituição».
O que tem sido dito por aqueles responsáveis do PSD e do Governo, a par da instrumentalização que foi feita da AR para esse confronto com o TC, configura assim uma situação que compromete o regular funcionamento das instituições, concluiu João Oliveira, para quem esse é um «limite constitucional que se coloca ao PR, a partir do qual deve ser demitido o Governo».