Persistem dúvidas e críticas
O Parlamento aprovou recentemente uma resolução apresentada pelo PSD/CDS-PP onde se recomenda ao Governo a criação de um grupo de trabalho sobre a aplicação do Acordo Ortográfico. Do texto aprovado, por iniciativa dos seus autores, foi suprimida a «exposição de motivos», bem como os pontos que propunham a «revogação, suspensão ou revisão» do Acordo se o grupo de trabalho a criar viesse a concluir que «não está garantida a sua efectiva aplicabilidade obrigatória até ao final de 2015» em todos os países subscritores.
Votaram favoravelmente o PSD, sete deputados do CDS-PP e PEV, enquanto o PS, a maioria dos deputados do CDS-PP e o BE votaram contra, optando o PCP pela abstenção.
A versão aprovada recomenda apenas que o referido grupo de trabalho a criar no âmbito da Presidência do Conselho de Ministros elabore um relatório «factual e objectivo com o ponto da situação» da aplicação do Acordo.
Chumbado veio a ser, por outro lado, com os votos contra do PSD, PS e CDS-PP, e a abstenção do BE (PEV votou a favor), o projecto de resolução do PCP onde se propunha a criação do Instituto Português da Língua, a renegociação das bases e termos do Acordo Ortográfico ou a desvinculação de Portugal desse Acordo. A revisão do Acordo proposta em projecto de resolução do BE foi igualmente chumbada com os votos contra da maioria.
O deputado comunista Miguel Tiago lembrou no debate que o PCP foi o único que não votou favoravelmente o Acordo Ortográfico de 1990, tendo, na altura, sem deixar de valorizar a «convergência das normas ortográficas», suscitado dúvidas e tecido críticas.
Ora as «dúvidas não foram respondidas e os problemas técnicos e políticos do Acordo não foram resolvidos», notou o deputado do PCP, dando como exemplo o facto de, passados 24 anos, continuar a não estar pronto o «vocabulário ortográfico comum» que é «um dos instrumentos fundamentais para a vigência do Acordo».
Afirmando que o PCP não ignora que muitos portugueses se adaptaram à utilização do Acordo, Miguel Tiago adiantou que de igual modo não ignora que muitos outros portugueses «não se reconhecem na norma ortográfica que desfigura a escrita da língua e introduz uma subordinação da grafia à oralidade», e, acima de tudo, que o «Acordo não assegura qualquer espécie de convergência ortográfica na medida em que utiliza como referência aquilo que é mais diverso na língua portuguesa: a pronúncia, a forma falada».
Posto isto, assumindo uma posição de equilíbrio, o deputado comunista rejeitou o antagonismo quer dos que sustentam não ser possível «voltar atrás e corrigir os erros do Acordo» quer dos que o rejeitam liminarmente e defendem que não há outro caminho que não seja o do seu abandono e desvinculação imediatos.
«Para o PCP, a existência de um bom acordo ortográfico, com uma boa política da língua, pode ser um instrumento, mas a existência de um mau acordo ortográfico, com uma má política da língua, como aquilo que vemos agora, é catastrófico», sublinhou Miguel Tiago, defendendo que «Acordo, sim, mas não a qualquer preço». Porque «o Acordo deve ser um instrumento da língua e não o contrário», rematou.