Entre a “marretada” e a “punhalada”
Os reformados e pensionistas (a par dos trabalhadores) continuam a ser o alvo privilegiado dos ataques do Governo. Têm por isso razões de sobra para não dormir descansados.
Governo tem arrasado salários, reformas e direitos
Sexta-feira passada, no Parlamento, o primeiro-ministro manteve o discurso dúbio sobre um novo corte nas pensões e reformas. Começou por afirmar «não haver nenhum corte previsto de 10% sobre pensionistas e reformados» (disse existir apenas o que já anunciara quanto à convergência das pensões da Caixa Geral de Aposentações para o regime geral da Segurança Social), para logo a seguir abrir a porta a novo confisco quando diz que «está ainda previsto, se for necessário, uma contribuição de sustentabilidade sobre todas as pensões», cenário este que procurou amaciar com a piedosa intenção de que «o Governo fará tudo para não ter de aplicar esta medida e encontrar alternativas para ela».
Pedro Passos Coelho respondia no debate quinzenal ao Secretário-geral do PCP que o desafiara a esclarecer se «o que está na cabeça do Governo» em relação aos reformados e pensionistas é a «aplicação à marretada de uma taxa ou à punhalada através de um corte».
«Como é que responde à ansiedade destes homens e mulheres que hoje têm de usar a sua reforma ou pensão para ajudar os seus filhos e seus netos, que estão hoje já suficientemente maltratados, que trabalharam uma vida inteira e têm direito a uma reforma digna?», inquiriu Jerónimo de Sousa. Não obstante a exigência de «clareza» ao chefe do Executivo, ficou-se a saber o mesmo, ou seja, que não está descartada essa hipótese de os reformados e pensionistas virem de novo a ser golpeados nas suas vidas. Como inalterado está esse desconcerto observado há semanas a fio em que «uns membros do Governo dizem uma coisa e o primeiro-ministro diz outra».
Negar a evidência
Mas a motivar o registo indignado do líder comunista esteve ainda a afirmação de Passos Coelho segundo a qual «em todas as medidas que afectam o rendimento o Governo deixou de fora quase 90% dos pensionistas e reformados». Desplante que levou ao ponto de garantir que «em matéria de protecção de pensões este Governo fez o que nenhum outro fez até hoje».
Jerónimo de Sousa, na réplica, desmontou a trapaça. O que aconteceu a 90% dos reformados e pensionistas foi precisamente o contrário, ou seja, sublinhou, «foram flagelados com o congelamento das pensões e reformas, com o aumento da carga fiscal, com novos encargos com a saúde».
«Não reconhece isso? Não reconhecer isto é de facto um absurdo», reagiu em tom duro o líder do PCP perante essa evidência que é a de a maioria dos reformados ter visto reduzidas as suas reformas e pensões, os subsídios, o acesso à saúde, o complemento solidário, e por aí fora.
E perante tão flagrante negação da realidade por Passos Coelho, Jerónimo de Sousa voltou a deixar-lhe um conselho: «demita-se enquanto é tempo, porque tem o País já desligado da sua cabeça, a realidade desligada do primeiro-ministro».
Empobrecimento em massa
Abordados por Jerónimo de Sousa neste debate quinzenal foram também os efeitos devastadores da política do Governo, potenciada pelo memorando da troika, sobre os salários, as reformas e pensões, os rendimentos e direitos. E a consequência primeira, frisou, é sem dúvida «o aumento da exploração de quem trabalha e o empobrecimento à escala de massas», aliás testemunhado nos dois milhões de pobres existentes no País.
Há porém uma segunda consequência, no entender de Jerónimo de Sousa: «a redução drástica da capacidade de consumo no plano interno». E é por isso que a cada dia que passa, anotou, 23 pequenas e médias empresas fecham portas.
Assim sendo, e porque o acesso ao crédito não é um aspecto irrelevante, considerou que para o PCP «o problema central está na falta de capacidade de consumo, no entrave ao «desenvolvimento do mercado interno», como sucede por exemplo na restauração que «tem o problema do IVA e, fundamentalmente, o problema da falta de clientes».
E embora aguardando pelos detalhes das recente medidas de incentivo fiscal ao investimento, Jerónimo de Sousa quis saber do primeiro-ministro se o País está em presença de uma medida de natureza estrutural ou se tudo não passa afinal de mais um mero anúncio.
Na resposta, o chefe do Governo confirmou que a medida não tem de facto «efeito estrutural» e que é de «carácter extraordinário», para vigorar durante o segundo semestre de 2013. E adiantou que foi tomada a par de outras que chegarão à AR em Junho com o objectivo de «melhorar o sistema de incentivos fiscais para o apoio ao investimento e para o desenvolvimento e investigação empresarial».
Nas palavras de Passos Coelho, o Governo está assim a «procurar conjugar» o que diz ser «o efeito de médio e longo prazo de várias medidas de efeito estrutural» com o «encontrar nos mecanismos de financiamento formas consistentes de melhorar a posição das PME, sobretudo quando orientadas para a produção de bens e serviços transacionáveis».
Jerónimo de Sousa não deixou de registar a absoluta ausência de referência do chefe do Governo ao mercado interno e à capacidade de consumo das pessoas.
E quanto aos referidos incentivos ao crédito fiscal a verdade é que nada do que foi dito pelo chefe do Governo desfez as dúvidas suscitadas pelo líder do PCP quanto à eficácia de tais medidas. É que passados estes anos todos, «ouvindo dos governos tantos programas, tantos planos, tantas medidas, tantos anúncios que depois não deram em nada», são mais do que legítimas tais reservas. Além de que o «papel aguenta tudo aquilo que se queira lá pôr», sublinhou.
A farsa
Repetida à exaustão pelo Governo é a afirmação de que «não há dinheiro», sempre que se trata de justificar novos cortes nas funções do Estado ou nos apoios sociais. E as pessoas perguntam: «para onde foi o dinheiro?» Essa foi também a interrogação formulada por Jerónimo de Sousa, a propósito do último Conselho Europeu e do «combate à fraude e evasão fiscais» que ocupou parte da sua agenda.
Ora estima-se, referiu o Secretário-geral do PCP, que as «perdas causadas pela fraude e evasão fiscais atingem cerca de um milhão de milhões de euros por ano na Europa», sendo que destes «uns milhares de milhões de euros são portugueses».
Lembrou ainda que, aquando do início da crise em 2007, estiveram reunidos o G20, o Conselho Europeu e a Comissão Europeia, os quais, perante o escândalo da crise e suas consequências, «vieram anunciar grandes medidas de combate aos offshores, a necessidade de medidas de controlo dos mercados, a necessidade de taxar as transacções financeiras».
«E de novo reuniram em 2008 – e medidas nada», prosseguiu o líder comunista, recordando etapas seguintes deste processo: «E reuniram em 2009, em 2010, em 2011, em 2012, em 2013 – e o que decidiram de substancial? Mais uma vez nada ou melhor decidiram o que já haviam antes decidido: “acelerar as acções e melhorar a coordenação a nível europeu”, para se concretizarem em Janeiro de 2015».
Com o primeiro-ministro já sem tempo para responder, Jerónimo de Sousa optou por fim não por uma pergunta mas por uma exclamação: «Ah, vejam lá, em 2015 vão voltar a reunir…»
Uma forma de dizer que tudo não passa de uma farsa!