Fazer frente à voragem
Logo na sua intervenção inicial emergiu com clareza essa contradição insanável do primeiro-ministro que reside em dizer de forma sistemática que tudo vai bem, anunciar sucessos da governação, quando «o País não vai bem e o povo vai pior», como tratou de assinalar Jerónimo de Sousa, ao interpelá-lo na primeira ronda de perguntas,
Este foi um aspecto central que perpassou o debate e para o qual o líder comunista chamou a atenção pondo em relevo a dissonância entre o discurso do chefe do Governo e a realidade concreta.
«Aquilo que diz não corresponde à realidade nacional, não corresponde aos sentimentos que hoje prevalecem na sociedade portuguesa», acusou o Secretário-geral do PCP, antes de criticar a forma «ligeira, superficial e até a indiferença» de Passos Coellho perante a inquietação de milhões de portugueses que são «atingidos pelo desemprego, pela pobreza, pela exclusão – incluindo camadas e sectores intermédios que hoje percebem que nem eles escapam a esta voragem do Governo».
Jerónimo de Sousa, aludindo à insuportável iniquidade na repartição dos sacrifícios, acusou o chefe do Governo de situar o plafond da sua política de expropriação e roubo nas classes e camadas médias, «deixando intocável os grandes interesses, os grupos económicos que concentram e centralizam cada vez mais riqueza».
Sempre a doer
Mas há uma realidade que o primeiro-ministro por mais que se esforce não consegue negar, segundo o dirigente comunista. É que cada vez que o Governo vem anunciar novas medidas é para «piorar a vida dos portugueses, para sacar mais aos trabalhadores, aos pensionistas, aos reformados».
Assim voltou a ser com o anúncio feito na véspera do debate pelo ministro das Finanças, só que deste feita e contrariamente ao que prometera – que seria ele próprio a comunicar as medidas difíceis aos portugueses – preferiu escudar-se na «voz macia como veludo» de Vítor Gaspar e ser este a apresentar a «punhalada e a pancada» das novas medidas.
«Faltou-lhe a coragem; disse uma coisa e fez outra», verberou Jerónimo de Sousa, num ataque cerrado ao primeiro-ministro a quem aconselhou a refrear eventuais ilusões sobre a percepção dos portugueses quanto às medidas anunciadas: «não pense que o tom do ministro das Finanças conseguiu evitar que se visse com clareza que o anúncio das medidas visa mais uma vez penalizar os trabalhadores e a população».
É que sob o fogo do Governo continuam as pensões e reformas, especificou, sublinhando que «não só se mantém como agrava o roubo dos salários dos trabalhadores da administração pública e do sector público, dos reformados e pensionistas, como o roubo de um subsídio ou mais aos trabalhadores do sector privado».
E o ataque não se fica por aqui, prosseguiu, já que «o Governo vai penalizar ainda mais os trabalhadores e a população com outras medidas como é o caso do IMI, mais cortes na protecção social, na educação, na segurança das populações, na defesa».
«Cortes porventura ainda maiores em 2013 do que neste ano», advertiu.
Renegociação da dívida
O carácter inadiável da renegociação da dívida pública foi também trazido para primeiro plano pelo líder comunista, que lamentou que o Governo continue a negar essa evidência, isto num País que no ano de 2012 pagará mais de 7 500 milhões de euros de juros da dívida.
«Há que renegociar a dívida enquanto é tempo, porque o devedor também tem direitos. E negociar mas não à grega, porque aquilo não foi negociação nenhuma. É negociar do ponto de vista do interesse nacional, da defesa dos interesses do devedor, pagando o que é legítimo», referiu o Secretário-geral do PCP.
Recusando que a proposta seja «irrealista», como dizem os partidos do Governo, Jerónimo de Sousa insistiu que, bem pelo contrário, esta sim é a proposta que «interessa a Portugal» e não a «posição de submissão» de Passos Coelho que «fica todo contente porque os mercados olharam de uma forma simpática para as medidas».
«Pudera! É que assim, com esta política, cada vez mais os mercados ficarão satisfeitos, os grupos económicos e o capital financeiro aplaudirão», rematou Jerónimo de Sousa, antes de formular uma antevisão sobre o futuro do Governo: «vai perder e será derrotado porque está a governar à revelia dos interesses dos trabalhadores, dos reformados, dos pequenos e médios empresários, à revelia da força da juventude – que é o futuro – e é por isso que um dia, mais cedo que tarde, acabará por ser derrotado».
E é para «evitar a derrota do País», explicou, que o PCP apresentou a moção de censura.