Problemas sem resposta
Sendo verdade que do regime jurídico da concorrência em vigor desde 2003 não resultou qualquer melhoria no plano do «bem-estar social» nem benefício para os consumidores (veja-se os preços da electricidade, dos combustíveis ou do gás natural) ou para os «agentes económicos mais frágeis» – tal como não se verificou o muito prometido crescimento da economia e da produtividade –, não é menos certo e seguro que do novo regime proposto pelo Governo e aprovado pela AR, na generalidade, no passado dia 17, não há que esperar avanços ou melhorias em nenhum daqueles planos, bem pelo contrário.
No novo texto «não há coragem de enfrentar as contradições, falhas, deficiências e insuficiências da actual legislação», sumariou o deputado comunista Agostinho Lopes, numa avaliação ao diploma governamental que está agora em comissão depois de aprovado pelos partidos da maioria e do PS, com os votos contra do PCP, PEV e BE.
Depois de fazer esse balanço muito negativo ao que foram os oito anos de vigência de uma lei aprovada pelo governo PSD/CDS-PP de Durão Barroso e Paulo Portas, também ela na altura apresentada e justificada com «auspiciosos objectivos e piedosas intenções» que nunca se vieram a verificar – o que a vida mostrou é que a evolução da legislação em defesa da concorrência andou sempre atrás da reconstituição e reforço dos grupos monopolistas, sendo estes quem em rigor ditou leis e impôs preços e condições –, Agostinho Lopes considerou ainda que as mudanças agora propostas traduzem uma «posição tímida, recuada, desequilibrada», surgindo como um «faz de conta...» que aposta na resolução dos problemas identificados pela experiência destes últimos oito anos.
O faz de conta…
Por outro lado, na perspectiva do PCP, o reforço dos poderes da AdC «não vai de par com o reforço do controlo da sua actuação e de uma necessária densificação e tipificação rigorosa de conceitos e ilícitos», mais parecendo que as aparentes mudanças visam «dar vazão às críticas, queixas e reclamações» dos muitos agentes económicos vítimas do poderio dos «senhores do PSI 20».
Desse «faz de conta» que algo muda para que tudo permaneça mais ou menos igual é testemunho, por exemplo, a formulação inscrita no diploma quanto às «práticas restritivas da concorrência» (seja por omissão em relação a algumas seja por aceitação de outras), o mesmo relativamente ao «abuso de posição dominante», onde há mesmo uma regressão face à lei actual (eliminação da descrição sobre o que é uma «posição dominante» e, por outro lado, não introdução do conceito de «posição dominante colectiva»).
Na mesma fica também tudo o que toca ao «abuso de dependência económica», como sublinhou Agostinho Lopes, que recordou que nenhuma empresa até à data foi condenada por tal prática ilícita, não obstante a existência de muitos factos e situações que o justificariam.
Sem resposta no diploma está também a questão da intervenção da AdC – não é garantida a sua operacionalidade e intervenção tempestiva por forma a travar ou eliminar tanto quanto possível a duração dos impactos negativos, da violação das leis da concorrência, sobre os agentes mais frágeis.
Sem avanços está, por último, o que se refere aos processos de concentração, em particular às operações de fusão e aquisição na grande distribuição.