Os agentes da ingerência e do saque
Afinal quem são as organizações que integram a famigerada troika que desde há semanas faz parte do nosso quotidiano, ocupando noticiários das rádios e televisões e enchendo páginas de jornais?
Que interesses servem? As medidas que pretendem impor abrem perspectivas de desenvolvimento ou constituem-se, ao invés, como factores de estagnação e retrocesso?
Percebamos melhor quem são, o que fazem e ao que vêm.
Entrave à competitividade
Com a política de estabilização de preços e com os critérios presentes na constituição da moeda única, pretendem os seus mentores que o euro seja uma moeda forte. Aquando da sua criação, um euro equivalia cerca de 1,1 dólares norte-americanos. Hoje, um euro equivale cerca de 1,48 dólares. Em 12 anos, o euro valorizou-se assim em 34,5%, valorização esta que significa que mantendo fixo o preço das matérias-primas, da energia, das máquinas e das ferramentas, assim como os salários, o preço da produção portuguesa encareceu cerca de 34,5%.
Ora no caso dos países fortemente exportadores de produtos e serviços de elevado conteúdo tecnológico e estratégicos para a produção de bens e serviços (como é o caso da produção de meios de produção, máquinas e ferramentas robotizadas, assim como de materiais básicos), esta valorização resulta em seu benefício, pois são economias pouco expostas à concorrência ou com uma concorrência relativamente reduzida. E se estes países dominarem politicamente um conjunto de regiões e assumirem o comando de zonas económicas de livre comércio interno com restrições simultâneas ao comércio externo, então, a suposta perda de competitividade da respectiva produção é residual ou mesmo inexistente. O mesmo não sucede com países como Portugal, em que as exportações assentam basicamente em produtos de baixo perfil tecnológico.
Não é por acaso que a Alemanha, cuja Balança de Transacções Correntes foi negativa desde que em 1991, data da reunificação, a antiga RFA absorveu a RDA, passou a partir de 2002 – dois anos depois da criação do euro – a apresentar Balança positiva.
O que é o FMI?
O FMI é um instrumento de intervenção política e financeira que envolve 187 países membros, cujo poder se concentra entre os EUA, o Japão, a Alemanha, a França e o Reino Unido. Estes países são aliás os únicos que, de acordo com os estatutos, indicam representantes para a direcção executiva do FMI, não estando sujeitos a nenhum tipo de eleição, ao contrário dos restantes membros.
O FMI foi criado em 1945, por 29 países, no seguimento do «Acordo de Bretton Woods» e da profunda crise do sistema capitalista desencadeada pela grande depressão de 1929, não integrando a União Soviética nem qualquer outro país do bloco socialista emergente após a vitória sobre o nazi-fascismo, na Segunda Guerra Mundial. Os seus objectivos iniciais incluíam a criação de um sistema monetário internacional capaz de garantir a estabilidade cambial e a promoção do comércio internacional, como forma de garantir a sobrevivência do sistema capitalista.
A acção do FMI tem vindo a ser marcada pela imposição dos famosos «programas de ajustamento» aos países com dificuldades de financiamento e elevados desequilíbrios externos, de inspiração neoliberal, caracterizados por planos de privatização das empresas públicas (em sectores estratégicos para o desenvolvimento como sejam os transportes, energia, telecomunicações, serviços postal, abastecimento de água e saneamento) e das funções sociais do Estado (como a saúde e educação), pelas reduções salariais e ataques aos direitos dos trabalhadores, por cortes nos apoios aos desempregados e aos reformados, assim como pela concentração da carga fiscal sobre o consumo, a par de uma menor progressividade dos impostos sobre os rendimentos.
Estas consequências têm um significado concreto diferenciado. Na perspectiva dos trabalhadores e da generalidade da população portuguesa, ontem como hoje, significam o seu empobrecimento e a espoliação colectiva de importantes instrumentos de política económica. Na perspectiva do grande capital, ontem como hoje, significam o enriquecimento da banca (em especial da privada), bem como dos grandes grupos económicos, pela garantia do financiamento e do pagamento dos créditos que em cada momento detém sobre o Estado e pela apropriação de importantes activos através da privatização de empresas públicas (monopólios naturais que passam de públicos a privados).
As intervenções e a ingerência do FMI foi e continua a ser um instrumento do imperialismo para combater a soberania e a livre decisão dos povos em escolher o seu rumo, assim como foi um importante instrumento de combate aos países que assumiram o projecto de superação do capitalismo e projectos de desenvolvimento não capitalistas.
O FMI prevê que no primeiro trimestre de 2011 os resultados operacionais cresçam mais de 404%, em relação ao mesmo período do ano anterior.
Este crescimento coincide com a intervenção do FMI na Grécia (Maio de 2010) e na Irlanda (Dezembro de 2010).
E o BCE, o que é?
O BCE é o banco central responsável pela moeda única europeia: o euro. A sua principal missão é a estabilidade de preços na área do euro, ou seja a defesa de uma política monetária que garanta uma taxa de inflação não superior aos dois por cento. Isto porque, segundo os princípios políticos que constituíram o BCE e o euro, o crescimento económico e o desenvolvimento só serão obtidos através da estabilidade dos preços.
Ancorados nesta perspectiva, afirmam que qualquer intervenção do Estado no sentido de redistribuir rendimentos ou animar a actividade económica (tanto na promoção do consumo das famílias como através da dinamização da produção) conduzirá ao aumento dos preços e à apropriação dos rendimentos por alguns «grupos de interesse», nomeadamente pelos trabalhadores organizados nos seus sindicatos.
De acordo com os estatutos do BCE, apenas 15 dos governadores dos respectivos bancos centrais têm direito de voto no seu Conselho, sendo a sua Comissão Executiva composta por seis membros, nomeados por consenso, ouvidos a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu. Esta é, pois, uma Comissão Executiva sujeita ao poder das grandes potências europeias.
Actualmente a área do euro é constituída pelos 17 países da União Europeia que adoptaram como sua esta moeda, os quais são obrigados a cumprir o Pacto de Estabilidade e Convergência, sujeitando-se a sanções políticas e financeiras em caso de incumprimento, isto é quando apresentam um défice orçamental superior a 3 por cento ou uma dívida pública superior a 60 por cento.
Com a criação do BCE e do euro, os bancos centrais dos países membros deixaram de deter o controlo político sobre a política monetária e cambial.
Em nome da independência da política monetária e cambial em relação ao poder político, a quem entretanto os tratados europeus já haviam retirado qualquer controlo sobre esta matéria, impôs-se a submissão do poder político ao poder económico dos grandes grupos económicos e financeiros, nomeadamente da banca.