Legitimidade perdida

Reagindo às afirmações do primeiro-ministro sobre a questão da «irresponsabilidade» que estaria subjacente à apresentação da moção de censura e sobre o «papão» de uma eventual queda do Governo daí decorrente, Jerónimo de Sousa não deixou com ironia de se questionar sobre «se o povo português perderia grande coisa com essa demissão...»

Mas a questão central colocada pela moção de censura, precisou, é a sua «dimensão política e a própria associação» que nela se estabelece entre o PSD e esta política.

«O que o PCP quis foi criticar esta política de direita levada a cabo, em associação, pelo PS e PSD», explicou o líder comunista, na primeira ronda de perguntas ao primeiro-ministro após a sua intervenção inicial.

Referência particular mereceu-lhe também a afirmação de José Sócrates de que estaria a «honrar o mandato» que lhe foi conferido e os compromissos que assumiu com o seu eleitorado. E citando o programa do PS, lembrou que entre esses compromissos estavam medidas no plano dos direitos sociais, dos salários, do investimento público, do desenvolvimento económico, do combate ao desemprego.

Assim sendo, e tendo presente que esses compromissos foram desonrados, a questão que se coloca é a de saber se o Governo «continua a ter legitimidade para fazer esta política, carregando em cima do povo as consequências de uma crise para a qual o povo não contribuiu».

A avaliar pelo discurso do Secretário-geral do PCP, a resposta só pode ser um rotundo não. É o que se depreende, de resto, das suas palavras, quando, dirigindo-se a José Sócrates, taxativo, afirma o seguinte: «Escusa de fazer apelos ao PCP, porque nós não entramos no pântano para onde estão a conduzir o País. Não fazemos acordos de capitulação em relação aos interesses dos trabalhadores e do povo nem em relação à nossa soberania nacional. Nós somos coerentes, porque foi isso que afirmámos perante o povo».

José Sócrates, na resposta, desvirtuando o sentido das afirmações do Secretário-geral do PCP sobre a moção de censura, insistiu na tese de que esta para além da censura às políticas do Governo tinha por objectivo deitar abaixo o Governo, «a escassos meses das presidenciais e pouco depois das legislativas».

E considerou tal cenário uma «irresponsabilidade», insistindo na tese de que estaria em causa a «abertura de uma crise política». Disse mesmo tratar-se de «brincar com coisas sérias», «brincar com a instabilidade política».

Jerónimo de Sousa, recorrendo à figura regimental da defesa da honra – o que fez pela primeira vez em muitos anos de deputado – além de fazer notar a José Sócrates que «não respondera a coisa nenhuma», repudiou com firmeza a ideia de que o PCP «está a brincar com coisas sérias».

E esclareceu que o PCP usou este «instrumento institucional e constitucional pesado, muito sério, para colocar este Governo sob a censura que hoje perpassa na sociedade portuguesa».

E depois de advertir o chefe do Executivo de que «está muito enganado» se pensa que a contestação é só por parte dos comunistas, convidou-o - aludindo ao nascimento e queda dos governos -, a não se colocar na posição de «ou eu ou o dilúvio» e a não esquecer que «o poder reside sempre no povo», o que significa que «quando este Governo for embora o povo encontrará sempre uma alternativa, desde que exista democracia».

Num apontamento final, Jerónimo de Sousa deixou ainda uma ideia-chave: «é preferível atirar um governo abaixo do que permitir que um governo atire o País abaixo, como está a acontecer».



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