As crises de 2008

Jorge Cadima

O ano de 2007 chega ao fim com sinais de crise a avolumar-se em todas as frentes.

No campo económico, o esperado rebentar da bolha especulativa e de endividamento, que sustentou artificialmente a economia dos EUA desde 2001, está a alastrar para a banca e a economia produtiva. O Economist (22.12.07) estima que 200 a 300 mil milhões de dólares de empréstimos à compra de habitação nos EUA nunca chegarão a ser pagos. Um relatório da Comissão para a Economia do Congresso dos EUA estima que dois milhões de famílias norte-americanas irão perder as suas casas nos próximos dois anos (BBC, 5.11.07). Nomes grandes da finança internacional continuam a anunciar prejuízos colossais. Entretanto, são mobilizados os recursos públicos para salvar os centros do capitalismo mundial da bancarrota. O governo britânico já assumiu o astronómico montante de 55 mil milhões de libras (75 mil milhões de euros) de dívidas do falido banco Northern Rock. O Economist (22.12.07), ao dar a notícia, faz abertamente campanha pela sua nacionalização (conceito que, afinal, só é tabu quando serve o interesse público…). Em 12 de Dezembro, cinco bancos centrais (EUA, Canadá, Inglaterra, Suíça e o Banco Central Europeu) anunciaram uma intervenção concertada nos mercados financeiros. Num só dia (18 de Dezembro) o Banco Central Europeu injectou 350 mil milhões de euros (cerca de duas vezes e meia o PIB anual de Portugal) em empréstimos a bancos, procurando evitar uma crise de liquidez no final do ano. O “dinheiro dos contribuintes”, que não existe para salvar postos de trabalho, para a saúde ou o ensino, jorra em vagas infindáveis quando se trata de limpar o esterco deixado atrás de si pelas pilhagens multi-milionárias de financeiros que acumulam riquezas obscenas à custa da vida de milhões de seres humanos. Mas é cedo para saber se mesmo a teta do Estado poderá evitar o descalabro.

É neste contexto, e com o Médio Oriente e o Afeganistão a arder, que as potências imperialistas parecem decididas a reabrir uma frente de guerra nos Balcãs. Numa sessão do Conselho de Segurança da ONU, presidida pelo MNE de Itália Massimo D’Alema (Primeiro-Ministro quando os aviões da NATO descolavam desse país para bombardear a Jugoslávia, em 1999), os representantes da União Europeia e dos EUA recusaram a proposta russa para o prosseguimento de negociações entre a Sérvia e os albano-kosovares. «’As possibilidades de uma solução negocial estão esgotadas’, afirmaram os sete representantes UE-EUA» (La Repubblica, 20.12.07), e agora «é necessária uma presença civil e militar». Para quê? Para que «com o apoio dos EUA e da UE, os albano-kosovares declarem a esperada independência da Sérvia» (BBC, 19.12.07). Ou seja, para impor pela força o ulterior desmembramento de um país, em violação da Carta da ONU e da própria resolução 1244 do Conselho de Segurança que pôs fim à guerra de 1999. Dizem que há que separar o Kosovo para respeitar a vontade da população. Mas recusam que esse mesmo conceito seja aplicado às zonas de maioria sérvia no Kosovo ou na Bósnia. Para não falar, claro, do País Basco ou da Irlanda do Norte. Em 1999 culpavam Milosevic. Hoje, depois do golpe de 2000, estão no poder na Sérvia os «amigos do Ocidente». Pouco importa. Como sempre, por detrás do atear das chamas nos Balcãs escondem-se outras motivações do imperialismo e um embate que vai marcar o ano de 2008: a confrontação com a Rússia e a sua enorme, mas autónoma, importância energética. Nem mesmo a crise económica detém os apetites de guerra do imperialismo. Pelo contrário, alimenta-os.


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