«Ilícitos»

Henrique Custódio
A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) deu esta semana uma relevante prenda de Natal ao BCP: finalizadas as suas investigações preliminares à gestão do Grupo, concluiu haver «in­dí­cios se­guros de ilí­citos cri­mi­nais» na actividade gestora deste banco. «In­dí­cios se­guros de ilí­citos cri­mi­nais» não é coisa pouca, ainda por cima vindo de uma instituição prudente na linguagem e rigorosa nas contas como é, necessariamente, a CMVM. Cai assim por terra o fraseado mimoso com que a generalidade da comunicação social tem vindo a branquear os sucessivos escândalos com a gestão do BCP, ora falando em «desacerto de contas», ora referindo «eventuais irregularidades» num quadro de «instabilidade» na direcção do banco.
«Ilí­citos cri­mi­nais» (ainda por cima sob «in­dí­cios se­guros») estão para «eventuais irregularidades» como uma barragem para uma poça de água.
O que já se referiu na imprensa é demolidor: o supervisor bolsista terá identificado várias ilegalidades graves associadas a actos realizados pelos gestores do BCP envolvendo, entre outras coisas, financiamentos ilícitos para a compra de ac­ções pró­prias nos aumentos de capital de 2000 e de 2001. Estima-se que estejam em causa movimentos de mais de 700 milhões de euros, que geraram pre­juízos de pelo menos 200 mi­lhões de euros, o que já leva a admitir que o supervisor «se veja obrigado a punir com mão pesada os gestores da instituição».
Não bastava que o presidente-fundador do banco, Jardim Gonçalves, houvesse desfalcado o BCP em mais de uma dezena de milhões de euros para cobrir os negócios desastrosos de um filho e que um outro gestor tivesse feito o mesmo em proveito próprio: agora toda a gestão do banco, desde pelo menos 2000, é apontada pela CMVM como responsável por prejuízos de pelo menos 200 milhões de euros utilizados em proveito próprio
Comprar ac­ções pró­prias com dinheiro do banco (ou seja, dos accionistas) e com isso gerar prejuízos de 200 milhões de euros (40 milhões de contos) chamar-se-ia, em qualquer parte do País ou do mundo, um roubo, e dos grandes. A resposta a isso é conhecida: a Justiça cairia de imediato sobre os responsáveis e far-lhes-ia pagar o desmando com língua de palmo. O próprio Millenium BCP (à semelhança, aliás, de qualquer outro banco) não hesita em se apropriar de qualquer casa hipotecada, mal o devedor se atreva a não pagar a mensalidade (o fisco já pôs um prédio em hasta pública por uma dívida de 80 euros).
Mas, pelos vistos, estamos a falar de gente acima de qualquer suspeita, apesar de as suspeitas que sobre eles caem não serem umas quaisquer: 200 milhões de euros podem ser muita coisa, menos uma bagatela. Assim sendo, o que para já lhes acontece é... não poderem recandidatar-se à gestão do banco.
Quem também não sai nada bem no retrato é Vítor Constâncio e o Banco de Portugal (BdP) por si governado. Apesar de agora também surgirem a fazer coro com a CMVM na pressão sobre a actual administração do BCP para não se recandidatar, o certo é que ambos, Constâncio e BdP, mandaram arquivar em 2004 a investigação destas mesmas matérias por entenderem «não existirem irregularidades»
É mais um «mistério financeiro», isto de o Banco de Portugal não descobrir, há três anos, um desvio de 200 milhões de euros cometido três anos antes e descobertos agora pela CMVM em meia dúzia de semanas...
Aguardamos para ver a tal «mão pesada» do supervisor.


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