PCP promove debate sobre habitação

Governo favorece capital financeiro e imobiliário

No âmbito da Conferência Nacional sobre Questões Económicas e Sociais, realizou-se, anteontem, em Lisboa, um debate sobre a «Habitação em Portugal hoje – A visão e as propostas do PCP». No final, depois de várias intervenções temáticas, Jerónimo de Sousa acusou os sucessivos governos do PS e do PSD, «com ou sem outros arranjos partidários», de promoverem o «endividamento das famílias» e aumentar a sua «dependência financeira face ao exterior».

Mais do que diagnósticos, são necessárias orientações políticas claras

A Constituição da República Portuguesa proclama, no seu artigo 65.º, que «todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar».
A par da alimentação, a habitação corresponde, hoje, a uma das mais básicas necessidades humanas. Entretanto, o seu carácter de necessidade básica e as condições políticas, económicas, financeiras e sociais dos últimos anos, transformaram, sempre com a ajuda dos sucessivos governos, a habitação numa importante área de intervenção estratégica para o grande capital nacional (mas não só) no quadro do desenvolvimento do processo de acumulação, concentração e centralização de capital que tem tido lugar, de forma incessante, no nosso país, nos últimos 30 anos.
Para debater esta questão, realizou-se, terça-feira, em Lisboa, um debate sobre a complexa problemática da habitação em Portugal. Esta iniciativa contou com a presença, para além do secretário-geral do PCP, de economistas, autarcas, associações de inquilinos, jovens, estudantes, pessoas que se preocupam e defendem uma outra política para o País.
«Trata-se de uma das muitas iniciativas temáticas que, a par do debate mais generalizado do documento base [da Conferência], visa o aprofundamento temático e sectorial de aspectos particularmente relevantes em matérias e políticas económicas e sociais», afirmou, no início, moderando o debate, Jorge Cordeiro, do Secretariado do Comité Central do PCP.
Uma das questões colocadas durante a iniciativa é que os grandes grupos económicos – Sonae, Amorim, Espírito Santo, Mellos, Teixeira Duarte, etc. –, a partir da década de 90, do século passado, começaram a investir «fortemente» na área do imobiliário, seja na componente habitação, seja também, e em muitas situações, na promoção de escritórios e espaços comerciais.
«Torna-se evidente, e a vida demonstrou-o, que esta intervenção do grande capital, nacional e estrangeiro, nesta área, não foi, nem é levada a cabo, para resolver os grandes problemas que ainda consistem na área da habitação, mas sim para explorarem a “vaca leiteira” que lhes apareceu pela frente», comentou Fernando Cerqueira, da Comissão de Actividades Económicas do PCP.

Espelho das contradições

Porque a habitação em Portugal «é bem o espelho das contradições, perversões e lógicas egoísticas e predatórias do capitalismo e das políticas de direita que lhes estão associadas», o dirigente comunista destacou ainda alguns dos problemas do sector, nomeadamente a «excessiva produção de habitações vagas/devolutas», a «existência de um número muito elevado de alojamentos sazonais», uma «muito reduzida taxa de reabilitação urbana» e a «existência de enormes carências qualitativas no domínio da habitação».
Entretanto, o crédito às famílias começou a crescer de forma galopante, ultrapassando em vários anos o próprio crédito às empresas. «Em 1979, somente 7,9 por cento do total do crédito concedido era a particulares, enquanto em 2006 já atingia o valor de 46,2 por cento, e deste, cerca de 80 por cento destinava-se à compra de habitação», relatou, informando que, actualmente, «o nível de endividamento das famílias é de cerca de 124 por cento do seu rendimento», «os empréstimos em dívida respeitantes à habitação no valor de 81,4 mil milhões de euros correspondem a 55 por cento do Produto Interno Bruto e 77 por cento do rendimento disponível das famílias».
Fazendo uma retrospectiva no tempo, Lino Paulo, da Comissão Nacional de Autarquias, assinalou as conquistas alcançadas, também na área da habitação, com a Revolução de Abril. «Pela primeira vez na história do país, o direito à habitação ganhou a dignidade de imperativo constitucional», afirmou.
Hoje, com as políticas de direita, tudo mudou, e os direitos conquistados estão, agora, a ser retirados aos portugueses. «É preciso lutar contra este estado de coisas. É preciso que o Estado se reposicione como mais e melhor Estado», frisou.

Endividamento das famílias

Jerónimo de Sousa acusou os sucessivos governos de «desrespeitarem frontalmente os preceitos constitucionais aplicáveis», prosseguindo políticas completamente inversas às propostas na Constituição da República. Criticou ainda o Estado por, ao longo dos anos, se ter demitido de uma «intervenção activa, designadamente enquanto promotor de habitação, transformando-se a política do Estado na política de crédito dos grupos financeiros nacionais e estrangeiros».
«Política de classe dos governos, concretizada pelo grande capital financeiro e das grandes empresas de construção civil, nas suas múltiplas, variadas e complexas conexões. Política que, simultaneamente, não responde às necessidades de habitação dos portugueses, particularmente daquelas classes e camadas sociais que são numericamente dominantes na sociedade, ao mesmo tempo que promove brutais excedentes de habitação (e também escritórios) que se encontram vagos, deixa degradar um número incalculável de fogos, muitos deles com características e interesse histórico, promove o endividamento das famílias e aumenta a nossa dependência financeira face ao exterior», acusou.
Relativamente às intervenções proferidas durante o debate, o secretário-geral do PCP sublinhou que, «mais do que diagnósticos», são necessárias «orientações políticas claras, que invertam completamente a actual situação e respondam inequivocamente aos quesitos constitucionais para a habitação».
Por isso recordou as posições estratégicas dos comunistas concernentes à habitação e constantes no Programa do PCP – «Portugal: uma democracia avançada no limiar do século XXI», aprovadas no XIV Congresso em 1992.
«O direito à habitação deve concretizar-se pela garantia aos cidadãos e famílias de residência que satisfaça as suas necessidades e assegure o seu bem-estar, privacidade e qualidade de vida», citou.
Ali, continuou, «são referidas orientações diversas, como a existência de uma política de solos e de ordenamento do território, pela promoção pública de vastos programas de habitação, pela conjugação da acção de promotores públicos, privados e cooperativos, pelo incentivo à recuperação dos centros históricos e pela promoção do mercado de arrendamento, entre outras».

Sabia que:

# Entre 1995 e 2006, foram construídos mais de um milhão de fogos novos, o que corresponde a um investimento de, pelo menos, 90 mi milhões de euros;
# Existem, actualmente, 650 mil fogos devolutos. Destes, só se encontram à venda cerca de 180 mil, constituindo os restantes cerca de 450 mil, como que «uma reserva estratégica» do capital;
# As famílias portuguesas já têm níveis de endividamento superiores a 124 por cento do seu rendimento, a parte muito significativa das quais resulta do esforço financeiro associado à aquisição de habitação;
# Os apoios públicos para aquisição de habitação, no fundamental, foram parar aos cofres dos bancos e das construtoras;
# Estimam-se em cerca de 2,25 milhões, os fogos que se encontram a necessitar de reparações médias, grandes ou muito grandes;
# Os passivos financeiros das sociedades financeiras atingiram, em 2006, o valor de 520 mil milhões de euros, 337,4 por cento do PIB desse ano;
# Enquanto em 1981, 39 por cento das situações correspondia a arrendamento e 52 por cento a propriedade, em 2006 tais valores já eram, respectivamente, de 20 e 76 por cento.


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