Grandes concertos
O Auditório 1.º de Maio começou a sua programação com fado e terminou com jazz. Durante os três dias, o público foi brindado com espectáculos memoráveis de todos os estilos musicais.
«Estamos a curtir que nem uns perdidos», confessava ao microfone um dos elementos de Quatro ao Sul, banda que abriu os espectáculos de sábado do Auditório 1.º de Maio. A boa disposição dos intérpretes contrastava com o tom solene das canções sulistas da banda, a sua pronúncia alentejana e a forma de cantar cadenciada. As paisagens planas do Sul trespassam pelas palavras. São os caminhos, as cores, o quotidiano rural ou das pequenas aldeias que são cantados com alma, por quem conhece a fundo essa realidade.
O grupo que se seguiu, os Kora Sons, transportou o público para paragens mais longínquas. São os ritmos cubanos, africanos e brasileiros, mas sempre com base no kora, considerado como o instrumento mais exigente e mais avançado com origem em África. O publico canta em coro na relva e nas bancadas, mesmo que esteja a ouvir as músicas pela primeira vez. O som é contagioso e cada vez há mais pares a dançar, com grande entusiasmo. A voz da senegalesa Bineta Sock – a única feminina – destaca-se no meio das dos companheiros, embalando ainda mais os corpos. O anúncio de que o grupo chegou à última canção é recebido com um «Oh!» prolongado.
A desilusão só é compensada com a banda que se segue: Deolinda. Com nome de mulher, este original projecto centra-se numa personagem imaginária, inspirado pelo fado e pelas origens populares da música portuguesa. Há toda uma teatralidade que envolve o público e o leva para um ambiente entre o alternativo e o boémio, entre a Lisboa típica e o cosmopolitismo.O palco transforma-se para receber uma espécie de performance, com um guarda-roupa próprio e cores tão garridas como a interpretação de Ana Bacalhau.
Os Telectu mais uma vez deixaram claro a sua qualidade na música experimental, desta vez tendo como convidados o compositor Walter Prati e o baterista Han Bennink. O espectáculo contou com uma única composição e o entusiasmo criativo dos músicos transbordou para o público, em particular quando Bennink trocou a sua bateria por uma cadeira e se transferiu do banco para o chão do palco.
Os grandes concertos não se ficaram por aqui. Na noite de sábado, o auditório vibrou com Toumani Diabate’s Symmetric Orchestra, banda do Mali que tem como elemento central o kora, instrumento já conhecido do público da Festa. As cores garridas dos fatos dos muitos músicos em palco reflectiam a vibração incandescente das composições, que se transformavam em estridentes movimentos no corpo dos espectadores.
«In Canto», de Luísa Amaro, foi outro espectáculo a destacar. Tendo como base a guitarra portuguesa, os artistas em palco conseguiram alcançar o objectivo proposto: criar verdadeiros sons do mundo, através da contribuição da viola, do clarinete e da percussão. Cada músico apresentou solos, num cruzamento de diversas formas de estar em palco. Joana Grácio e a sua dança oriental deu a contribuição final para um espectáculo arrojado e verdadeiramente original.
Homenagens merecidas
A programação deste ano do Auditório 1.º de Maio foi marcada por um conjunto de homenagens. A abrir o domingo, Trivenção, um grupo de quatro elementos da Guarda, apresentou um espectáculo com base em canções de Adriano Correia de Oliveira e de José Afonso. «No Vale Escuro» deu o mote para uma poderosa estreia da banda na Festa. Em tom pop, interpretou com sucesso grandes temas destes dois cantores, marcos fundamentais da música portuguesa. Comoventes versões, músicas animadas, recriações originais: tudo isto aconteceu em palco.
As canções de José Afonso foram igualmente o ponto de partida de Couple Coffe & Band e de Jacinta. O primeiro grupo, de origem brasileira, iniciou o seu concerto com um samba sobre a memória dos amigos, dando o tom à homenagem que se seguiu. Primeiro apenas com a vocalista e o baixista, depois integrando o guitarrista e o baterista, a banda apresentou impressionantes recriações e provou como as composições de José Afonso ficam bem com o sotaque do Brasil, em tons de samba, bossa nova e rock.
Jacinta envolveu o trabalho de José Afonso no jazz, num dos espectáculos mais aclamados da Festa. Na base do concerto está o seu último trabalho, Convexo, lançado precisamente na Quinta da Atalaia. Com Rui Caetano ao piano e Bruno Pedroso na bateria, Jacinta mostrou as suas belíssimas capacidades vocais e muita criatividade musical.
O mítico Frank Zappa foi homenageado pelos Low Budjet Research Kitchen. A banda, composta por oito músicos, reinventou a música de Zappa em interpretações multifacetadas.
O nosso fado
Ouve-se os primeiros acordes da Carvalhesa no Auditório 1.º de Maio. É a loucura. Os mais novos saltam e abraçam-se, eufóricos, os mais velhos acompanham com palmas e batem o pé. É o início da programação deste espaço, na noite de sexta-feira. A música avança, a dança prossegue e chega cada vez mais gente, atraídos pela Carvalhesa. Os aplausos irrompem, desordenados, esbanjados por quem deseja que os espectáculos comecem.
Apesar da euforia, o ambiente serena depressa. Todos sabem que se segue a «Grande Noite de Fado», com Fernando Alvim e Ricardo Parreira, Aldina Duarte, Raquel Tavares, Francisco Madureira e Rosa Madeira. A calma instala-se, com o público a sentar-se nas bancadas ou no relvado, pronto para disfrutar daquela que é a música portuguesa por excelência.
O espectáculo começa com a tranquilidade das composições de Carlos Paredes, interpretada à viola por Fernando Alvim, seu companheiro de sempre, e à guitarra portuguesa pelo jovem Ricardo Parreira. O palco apresenta a simplicidade de quem quer que a concentração esteja centrada na música, só com os instrumentos e a presença dos músicos. «Bravo, bravo» é a reacção mais espontânea do público, que aplaude, rendido. Os aplausos só terminam quando a canção seguinte se inicia.
O relvado vai enchendo, com os novos espectadores a sentarem-se no chão. A guitarra portuguesa não se ouve de pé, muito menos se tem o som de Carlos Paredes. As palmas ajustam as músicas. São como o eco das batidas das cordas, o mesmo é dizer do coração de Paredes...
Aldina Duarte prossegue a primeira parte do concerto. Enrolada num chaile negro, canta com a voz forte, quase rouca, fados reconhecidos pelo público. Por vezes senta-se para dar palavra à guitarra e à viola, interpretadas pelos seus acompanhantes habituais. Olha, sorri, balançando-se devagar. Volta ao microfone, na frente do palco, e larga a sua voz. Acompanha a música com os braços, em canções sobre a tristeza, o sofrimento do amor e a vida quotidiana de Lisboa.
É, então, a vez de Raquel Tavares, acompanhada por um guitarra e dois violas. De saia preta comprida, camisa branca e colete, mostra longos fios de ouro, que fazem lembrar as minhotas. De rosa vermelha a apanhar os cabelos, a fadista imprime desde o início um novo ambiente, mais alegre e descontraído, gingão e sorridente, olhos nos olhos com o público. Brinca com os versos ao interpretá-los, dança com todo o corpo, exprime o lado popular do fado. Canta fados tradicionais e fados dos seus discos, numa mistura vibrante.
A segunda parte do espectáculo inicia-se com o regresso ao palco de Fernando Alvim e Ricardo Parreira, interpretando outros temas instrumentais de Carlos Paredes. Segue-se Francisco Madureira, que começa com um tema de Max. «Estou muito honrado por participar nesta manifestação cultural e nesta magnífica noite de fado», afirma ao microfone. E, com alma na voz, avança para «fados bailaricos», como o conhecido Cavalo Alazão.
A noite termina em grande com Rosa Madeira. Exuberante e alegre, não hesita em introduzir inovações nos seus fados utilizando, por exemplo, djambés. É uma voz já consagrada, que mostra a experiência e criatividade de mais de vinte anos de carreira.
Jazz criativo
O jazz reinou nas noites de sábado e de domingo. Foi quase um excesso de criatividade, qualidade e inovação, com o Sexteto Mário Barreiros e o espectáculo «In Loko» de Carlos Barretto, no segundo dia da Festa, e com Carlos Bica & Trio Azul e o Quarteto Matt Pavolka, no último dia.
O álbum Dedadas serviu de base ao concerto do Sexteto Mário Barreiros. O virtuosismo marcou o espectáculo, firmado com a grandeza de instrumentos como o saxofone, o clarinete, o piano e o contrabaixo. O público aplaudiu e exigiu um encore.
O concerto «In Loko» de Carlos Barretto contou com a participação de Bernardo Sassetti, Hugo Menezes, João Moreira, José Salgueiro e Mário Delgado, num projecto que procura juntar a estética do rock, da electrónica e do jazz, mas em que este último género tem sem dúvida a última palavra a dizer.
Carlos Bica apresentou-se com o seu Trio Azul e com dois convidados: o guitarrista alemão Franck Möbus e o baterista norte-americano Jim Black. A receptividade do público foi grande, num espectáculo diversificado.
A programação do Auditório encerrou com o Quarteto Matt Pavolka. Vindo de Nova Iorque, este projecto revelou ser original e ter qualidade, uma excelente aposta para fechar a Festa de 2007.
«Estamos a curtir que nem uns perdidos», confessava ao microfone um dos elementos de Quatro ao Sul, banda que abriu os espectáculos de sábado do Auditório 1.º de Maio. A boa disposição dos intérpretes contrastava com o tom solene das canções sulistas da banda, a sua pronúncia alentejana e a forma de cantar cadenciada. As paisagens planas do Sul trespassam pelas palavras. São os caminhos, as cores, o quotidiano rural ou das pequenas aldeias que são cantados com alma, por quem conhece a fundo essa realidade.
O grupo que se seguiu, os Kora Sons, transportou o público para paragens mais longínquas. São os ritmos cubanos, africanos e brasileiros, mas sempre com base no kora, considerado como o instrumento mais exigente e mais avançado com origem em África. O publico canta em coro na relva e nas bancadas, mesmo que esteja a ouvir as músicas pela primeira vez. O som é contagioso e cada vez há mais pares a dançar, com grande entusiasmo. A voz da senegalesa Bineta Sock – a única feminina – destaca-se no meio das dos companheiros, embalando ainda mais os corpos. O anúncio de que o grupo chegou à última canção é recebido com um «Oh!» prolongado.
A desilusão só é compensada com a banda que se segue: Deolinda. Com nome de mulher, este original projecto centra-se numa personagem imaginária, inspirado pelo fado e pelas origens populares da música portuguesa. Há toda uma teatralidade que envolve o público e o leva para um ambiente entre o alternativo e o boémio, entre a Lisboa típica e o cosmopolitismo.O palco transforma-se para receber uma espécie de performance, com um guarda-roupa próprio e cores tão garridas como a interpretação de Ana Bacalhau.
Os Telectu mais uma vez deixaram claro a sua qualidade na música experimental, desta vez tendo como convidados o compositor Walter Prati e o baterista Han Bennink. O espectáculo contou com uma única composição e o entusiasmo criativo dos músicos transbordou para o público, em particular quando Bennink trocou a sua bateria por uma cadeira e se transferiu do banco para o chão do palco.
Os grandes concertos não se ficaram por aqui. Na noite de sábado, o auditório vibrou com Toumani Diabate’s Symmetric Orchestra, banda do Mali que tem como elemento central o kora, instrumento já conhecido do público da Festa. As cores garridas dos fatos dos muitos músicos em palco reflectiam a vibração incandescente das composições, que se transformavam em estridentes movimentos no corpo dos espectadores.
«In Canto», de Luísa Amaro, foi outro espectáculo a destacar. Tendo como base a guitarra portuguesa, os artistas em palco conseguiram alcançar o objectivo proposto: criar verdadeiros sons do mundo, através da contribuição da viola, do clarinete e da percussão. Cada músico apresentou solos, num cruzamento de diversas formas de estar em palco. Joana Grácio e a sua dança oriental deu a contribuição final para um espectáculo arrojado e verdadeiramente original.
Homenagens merecidas
A programação deste ano do Auditório 1.º de Maio foi marcada por um conjunto de homenagens. A abrir o domingo, Trivenção, um grupo de quatro elementos da Guarda, apresentou um espectáculo com base em canções de Adriano Correia de Oliveira e de José Afonso. «No Vale Escuro» deu o mote para uma poderosa estreia da banda na Festa. Em tom pop, interpretou com sucesso grandes temas destes dois cantores, marcos fundamentais da música portuguesa. Comoventes versões, músicas animadas, recriações originais: tudo isto aconteceu em palco.
As canções de José Afonso foram igualmente o ponto de partida de Couple Coffe & Band e de Jacinta. O primeiro grupo, de origem brasileira, iniciou o seu concerto com um samba sobre a memória dos amigos, dando o tom à homenagem que se seguiu. Primeiro apenas com a vocalista e o baixista, depois integrando o guitarrista e o baterista, a banda apresentou impressionantes recriações e provou como as composições de José Afonso ficam bem com o sotaque do Brasil, em tons de samba, bossa nova e rock.
Jacinta envolveu o trabalho de José Afonso no jazz, num dos espectáculos mais aclamados da Festa. Na base do concerto está o seu último trabalho, Convexo, lançado precisamente na Quinta da Atalaia. Com Rui Caetano ao piano e Bruno Pedroso na bateria, Jacinta mostrou as suas belíssimas capacidades vocais e muita criatividade musical.
O mítico Frank Zappa foi homenageado pelos Low Budjet Research Kitchen. A banda, composta por oito músicos, reinventou a música de Zappa em interpretações multifacetadas.
O nosso fado
Ouve-se os primeiros acordes da Carvalhesa no Auditório 1.º de Maio. É a loucura. Os mais novos saltam e abraçam-se, eufóricos, os mais velhos acompanham com palmas e batem o pé. É o início da programação deste espaço, na noite de sexta-feira. A música avança, a dança prossegue e chega cada vez mais gente, atraídos pela Carvalhesa. Os aplausos irrompem, desordenados, esbanjados por quem deseja que os espectáculos comecem.
Apesar da euforia, o ambiente serena depressa. Todos sabem que se segue a «Grande Noite de Fado», com Fernando Alvim e Ricardo Parreira, Aldina Duarte, Raquel Tavares, Francisco Madureira e Rosa Madeira. A calma instala-se, com o público a sentar-se nas bancadas ou no relvado, pronto para disfrutar daquela que é a música portuguesa por excelência.
O espectáculo começa com a tranquilidade das composições de Carlos Paredes, interpretada à viola por Fernando Alvim, seu companheiro de sempre, e à guitarra portuguesa pelo jovem Ricardo Parreira. O palco apresenta a simplicidade de quem quer que a concentração esteja centrada na música, só com os instrumentos e a presença dos músicos. «Bravo, bravo» é a reacção mais espontânea do público, que aplaude, rendido. Os aplausos só terminam quando a canção seguinte se inicia.
O relvado vai enchendo, com os novos espectadores a sentarem-se no chão. A guitarra portuguesa não se ouve de pé, muito menos se tem o som de Carlos Paredes. As palmas ajustam as músicas. São como o eco das batidas das cordas, o mesmo é dizer do coração de Paredes...
Aldina Duarte prossegue a primeira parte do concerto. Enrolada num chaile negro, canta com a voz forte, quase rouca, fados reconhecidos pelo público. Por vezes senta-se para dar palavra à guitarra e à viola, interpretadas pelos seus acompanhantes habituais. Olha, sorri, balançando-se devagar. Volta ao microfone, na frente do palco, e larga a sua voz. Acompanha a música com os braços, em canções sobre a tristeza, o sofrimento do amor e a vida quotidiana de Lisboa.
É, então, a vez de Raquel Tavares, acompanhada por um guitarra e dois violas. De saia preta comprida, camisa branca e colete, mostra longos fios de ouro, que fazem lembrar as minhotas. De rosa vermelha a apanhar os cabelos, a fadista imprime desde o início um novo ambiente, mais alegre e descontraído, gingão e sorridente, olhos nos olhos com o público. Brinca com os versos ao interpretá-los, dança com todo o corpo, exprime o lado popular do fado. Canta fados tradicionais e fados dos seus discos, numa mistura vibrante.
A segunda parte do espectáculo inicia-se com o regresso ao palco de Fernando Alvim e Ricardo Parreira, interpretando outros temas instrumentais de Carlos Paredes. Segue-se Francisco Madureira, que começa com um tema de Max. «Estou muito honrado por participar nesta manifestação cultural e nesta magnífica noite de fado», afirma ao microfone. E, com alma na voz, avança para «fados bailaricos», como o conhecido Cavalo Alazão.
A noite termina em grande com Rosa Madeira. Exuberante e alegre, não hesita em introduzir inovações nos seus fados utilizando, por exemplo, djambés. É uma voz já consagrada, que mostra a experiência e criatividade de mais de vinte anos de carreira.
Jazz criativo
O jazz reinou nas noites de sábado e de domingo. Foi quase um excesso de criatividade, qualidade e inovação, com o Sexteto Mário Barreiros e o espectáculo «In Loko» de Carlos Barretto, no segundo dia da Festa, e com Carlos Bica & Trio Azul e o Quarteto Matt Pavolka, no último dia.
O álbum Dedadas serviu de base ao concerto do Sexteto Mário Barreiros. O virtuosismo marcou o espectáculo, firmado com a grandeza de instrumentos como o saxofone, o clarinete, o piano e o contrabaixo. O público aplaudiu e exigiu um encore.
O concerto «In Loko» de Carlos Barretto contou com a participação de Bernardo Sassetti, Hugo Menezes, João Moreira, José Salgueiro e Mário Delgado, num projecto que procura juntar a estética do rock, da electrónica e do jazz, mas em que este último género tem sem dúvida a última palavra a dizer.
Carlos Bica apresentou-se com o seu Trio Azul e com dois convidados: o guitarrista alemão Franck Möbus e o baterista norte-americano Jim Black. A receptividade do público foi grande, num espectáculo diversificado.
A programação do Auditório encerrou com o Quarteto Matt Pavolka. Vindo de Nova Iorque, este projecto revelou ser original e ter qualidade, uma excelente aposta para fechar a Festa de 2007.