Novo Orçamento, a mesma política

Bernardino Soares (Membro da Comissão Política do CC do PCP)
Com fingida indiferença em relação ao protesto geral que, alguns dias antes, juntou em Lisboa 100 mil manifestantes contra a política do governo, o executivo de José Sócrates apresentou na semana passada a proposta de Orçamento de Estado para 2007.

É o Orçamento da política de direita, que já mereceu um protesto geral

Suportado pelo coro apoiante do grande capital e dos seus diligentes propagandistas, o governo procura acelerar as políticas retrógradas e anti-sociais em que está empenhado sendo o orçamento uma peça fundamental dessa ofensiva.
Para justificar o prosseguimento de uma política contra os interesses dos trabalhadores e das populações, o governo usa os artifícios habituais. Repisa a falsa ideia de que todos temos que nos sacrificar agora para vivermos melhor adiante, quando afinal nem todos estão a ser sacrificados (vide os lucros do sector financeiro e dos grandes grupos económicos), sendo que esta política não garante, antes compromete, o progresso e a melhoria da qualidade de vida. Retoma a ideia de que o governo está a fazer as reformas necessárias, chavão debaixo do qual se albergam as políticas de destruição da administração pública, dos serviços públicos essenciais, dos direitos sociais e laborais.
Entretanto, entre outros truques orçamentais para disfarçar a gravidade das opções, lá está novamente a previsão subavaliada da inflação para 2007 – 2,1%. Já é normal os governos preverem taxas excessivamente baixas de inflação para procurarem justificar actualizações em baixa de salários, pensões e prestações sociais. Para 2006 a previsão era de 2,3%, reconhecendo agora o governo que chegará aos 2,5%, suspeitando-se que possa até ser um pouco superior. Acontece que, no mesmo dia em que o governo apresentava o orçamento, o Instituto Nacional de Estatística anunciava um aperfeiçoamento na forma de cálculo da inflação que transformava os 2,5% anunciados, em 3%, sendo certo que qualquer indivíduo com bom senso e conhecimento da realidade do custo de vida, tem consciência de que ele está muito acima desta cifra. E o que fez o governo? Ignorou a nova taxa de inflação, invocando que desconhecia essa alteração por parte do INE e que uma vez entregue, o orçamento não podia ser alterado nesse aspecto.
Mantendo orientações de orçamentos anteriores, a proposta do governo traduz os aspectos fundamentais da política do governo de José Sócrates.

Restritivo, centralizador, anti-social

É um orçamento restritivo. Pretende impor um aumento muito abaixo da inflação, mesmo da prevista pelo governo, aos trabalhadores da administração pública – 1,5% - assumindo esse valor como referência para o sector privado, anunciando aumentos das pensões e reformas já inspirada pelos novos critérios de restrição das actualizações, acordados entre governo, patronato e UGT. É também fortemente restritivo do investimento, contribuindo desta forma para a manutenção de um baixo nível de crescimento, com a consequente manutenção do nível do desemprego e do afastamento em relação à média europeia.
É um orçamento centralizador. Assenta, de forma aliás inconstitucional, nas novas leis das finanças locais e das finanças regionais, ainda por aprovar, que configuram uma abusiva tutela da administração central em prejuízo da autonomia das autarquias locais e das regiões autónomas.
É um orçamento de injustiça fiscal. Mantém todos os benefícios fiscais que permitem à banca pagar uma taxa efectiva de IRC de cerca de 13%, aumentando ainda a possibilidade de a banca reduzir ainda a tributação dos seus lucros. Mantém, na receita fiscal, a prevalência dos impostos indirectos (especialmente o IVA, que constitui 40% da receita dos impostos indirectos) em relação aos impostos directos (61%/39%), o que agrava a injustiça uma vez que aqueles se aplicam de forma cega e independente dos rendimentos. Entretanto alarga para rendimentos mais baixos a tributação dos reformados, introduzindo também graves alterações em matéria de tributação dos cidadãos com deficiência.
É um orçamento anti-social. No ensino básico e secundário há uma redução de 4,2% nas despesas de funcionamento e mais de 30% nas verbas nacionais para investimento, chegando a encerrar o programa de investimentos no ensino público pré-escolar. Na saúde prossegue o caminho da privatização e da crescente transferência dos custos para os utentes, com a novidade da cobrança de taxas nos internamentos e cirurgias de ambulatório o que, confirmando-se que correspondem a 9 milhões de euros, significará um aumento de mais de 20% das taxas cobradas.
É o orçamento da política de direita. Da política que mereceu já um protesto geral e que merecerá certamente do PCP, dos trabalhadores e das populações uma firme contestação e repúdio.


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