Objectivo: exterminar!

O Campo da morte lenta

Criada em Abril de 1936, através do decreto n.º 25 539, a «Colónia Penal do Tarrafal» tinha como objectivo confesso «recolher os presos condenados a pena de desterro, pela prática de crimes políticos».

Dossier Nos 70 anos do Campo de Concentração do Tarrafal

Para lá das proclamações, o objectivo era outro: a eliminação física dos opositores políticos do fascismo. No Tarrafal, perderam a vida 32 antifascistas. Sete faleceram logo no primeiro ano de funcionamento do Campo. Dos que saíram e regressaram a Portugal, alguns acabariam por falecer mais tarde, com a saúde arrasada devido às precárias condições vividas naquela prisão.
Aos presos assassinados na tortura somavam-se os que eram abandonados à agonia e à morte por doença. Esbirros e médicos eram as duas faces assassinas do fascismo português na «Colónia Penal do Tarrafal». À recepção do director Manuel dos Reis, «quem vem para o Tarrafal vem para morrer», somavam-se as palavras do «médico» Esmeraldo Pais Prata: «Não estou aqui para curar, mas para passar certidões de óbito.»
Este objectivo ficava claro desde logo pela localização escolhida para a construção do Campo, a Achada Grande do Tarrafal. Numa carta entregue, em 1938, à direcção do Campo de Concentração (publicada no livro Dossier Tarrafal), os presos queixam-se de que «este clima é tão inóspito, tão maligno e tão impróprio para ser habitado por europeus, que só a nossa transferência para outro local poderia colocar-nos a coberto de uma enfermidade sem fim e da tragédia da morte sucessiva de camaradas. Pelo menos impõe-se a transferência do acampamento para um ponto mais salubre».
Na mesma carta, denunciam-se também as graves doenças que afectavam crescentemente os presos: «os cardíacos e os doentes do baço, fígado e intestinos, aumentam dia a dia, no Campo. Isto é devido: às altas temperaturas que as febres aqui atingem – ao carácter prolongado das mesmas – à natureza do nosso rancho e a sua irregularidade de horário».
«Entre nós – afirma a carta – apenas três presos escaparam às febres (em 188 que se encontravam no Campo naquele momento).» Os medicamentos eram inexistentes e as febres tornavam-se endémicas no acampamento.
Na obra Tarrafal – Testemunhos (Editorial Caminho), fala-se da biliosa, doença que matou numerosos antifascistas no Campo: «A biliosa aparecia de repente. Não era pressentida. E a todos nós assustava e nos fazia vigiar ansiosamente a urina. Porque quando se urinava sangue, quando a urina trazia um tom de café, era a biliosa (…) bem sabíamos nós o que aquilo significava.»
Numa carta enviada à direcção do Partido pela organização comunista prisional, em Abril de 1943, denuncia-se que «estamos todos impaludados, alguns muitíssimo, e os órgãos do nosso corpo, em especial o fígado, estão arrasados pelas febres constantes». Prosseguindo, a carta relata que «estamos todos fraquíssimos de resistência orgânica. Havia aqui homens fortíssimos. Hoje não há, a bem dizer, nenhum que possa comparar-se com o que foi antes».

O regresso prometido

Os mártires caídos no Campo da Morte Lenta iam sendo enterrados num velho e abandonado cemitério junto à praia deserta do Tarrafal. Os presos que sobreviviam, vendo os seus camaradas serem enterrados longe da família e dos amigos, juraram que os devolveriam a Portugal.
Foi já depois do 25 de Abril que a promessa seria cumprida. Em Fevereiro de 1978, por empenhamento do PCP e dos sobreviventes do Tarrafal, os restos mortais dos heróis caídos na «Colónia Penal» regressam ao País.

A transladação dos tarrafalistas assassinados foi uma grande homenagem nacional e uma das mais impressionantes manifestações alguma vez realizadas em Portugal. À frente de mais de 200 mil pessoas, os ex-tarrafalistas empunhavam uma exigência: «Tarrafal nunca mais!».


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