Comentário

Capital, eixo e ressurreição

Pedro Carvalho
Nos passados dias 15 e 16 de Junho decorreu mais um Conselho Europeu, sobre a égide da presidência austríaca da UE, tendo como tema central a ressurreição da defunta «constituição europeia». Em declarações anteriores à imprensa, a chanceler Merkel já tinha expressado esta vontade, ao afirmar que a UE e a Alemanha necessitam da dita «constituição», ou seja, o capital alemão precisa de um novo salto qualitativo no processo de integração capitalista europeia.
Como o capital europeu, representado pela UNICE e a Mesa Redonda dos Industriais, pretende finalizar o processo encetado em Maastricht de criação de um bloco político-económico e militar, um bloco imperialista europeu, não é de estranhar que o «período de reflexão» passe agora a um período pró-activo dos governos para encontrar soluções com vista a superar o «não» do povo francês e holandês.
Este processo passará pela apresentação de um relatório na presidência alemã da UE em 2007 e culminará com uma decisão da presidência francesa da UE de 2008, antes das eleições do PE e da nova Comissão Europeia, durante a revisão do quadro financeiro 2007-2013 (agricultura, fundos estruturais e recursos próprios) e depois das eleições francesas de 2007.
O eixo franco-alemão, o compromisso histórico entre o capital alemão e francês, mostra continuar ser o motor desta integração europeia, apesar do actual enfraquecimento da componente francesa.
O Conselho apoia assim as estratégias de informação e o denominado «Plano D», apresentado pela Comissão para convencer os cidadãos dos diferentes Estados-membros sobre os benefícios da dita «constituição europeia», de forma a garantir na opinião pública e publicada uma massa crítica de apoio à sua ressurreição. Com este ou outro nome, mais ou menos recauchutada, o essencial é que exista, para garantir a constitucionalização do federalismo, do neoliberalismo e do militarismo. O Conselho realça também o papel do PE como fórum de discussão e como balão de ensaio de soluções, à semelhança do que fez em relação ao tratado de Maastricht.

Avanços do liberalismo

Contudo, o Conselho Europeu aposta também noutra via, a do facto consumado, ou seja, consolidar os objectivos da dita «constituição europeia» nas directivas, regulamentos e decisões ao nível da UE, mesmo que às vezes de forma menos ambiciosa do que o capital desejaria.
Nas conclusões fica bem patente o avanço do Programa de Haia, a consolidação do terceiro pilar de Maastricht - a justiça e os assuntos internos (JAI) -, que consubstancia a deriva securitária, o ataque aos direitos fundamentais dos cidadãos e o controlo dos fluxos migratórios de acordo com a vontade do capital.
Fica o propósito de uma maior ligação entre a JAI e a política externa e a Estratégia de Segurança da UE (2003). Fica o acordo sobre o próximo quadro financeiro que aumenta de forma significativa os montantes para a Estratégia de Lisboa e para a JAI em detrimento da política de coesão.
Fica a «Estratégia de Lisboa» e a sua revisão (2005), com os programas nacionais de reforma que dela saíram, apresentados por todos os Estados-membros e avaliados no Conselho da Primavera deste ano, que criam um sistema de pressão a nível europeu para garantir a concretização nacional da agenda neoliberal de Lisboa.
Fica a flexibilização do trabalho e da extracção de mais-valias absolutas e relativas, a entrega da segurança social a lógicas de rentabilização privada, a redução dos níveis de pensões e o aumento da idade de reforma de forma directa ou indirecta, a liberalização dos serviços públicos, ao que se acrescenta como nova prioridade a conclusão da liberalização do sector energético (2007) e, ao nível do ensino superior, a concretização do processo de Bolonha, que visa mercantilizar o saber e homogeneizar o trabalho, pondo a educação à mercê dos interesses e estratégias do grandes grupos económico-financeiros. Mas mais significativo, é o acordo político obtido sobre a directiva serviços (Bolkestein/Prodi), pois o «não» em França esteve ligado em grande medida à oposição a esta directiva. Apesar de ficar aquém da proposta inicial, devido à forte oposição popular, o acordo atingido mantém o essencial do projecto.
Concretamente, os Estados-membros avançam com a liberalização e criação de um mercado interno de serviços, promovendo a desregulamentação do trabalho, o dumping social e ambiental e ameaçando os direitos de utentes e consumidores. Os estados ficam com menos poder de fiscalizar e regulamentar a prestação de serviços e de definir de forma conveniente o serviço público.
Ao mesmo tempo, a social-democracia, coadjuvante deste acordo, procura branquear o processo e desviar atenções do essencial, ao avançar com uma proposta de directiva-quadro dos serviços de interesse geral (no que conta com o apoio das cúpulas das confederações sindicais europeias), que põe em causa a soberania dos Estados e a sua competência para definir os serviços públicos e decidir sobre as formas do seu financiamento.
Este Conselho Europeu mostra a dimensão da ofensiva de classe, mas também as oportunidades de resistência e luta que cabe aproveitar. Temos que enterrar a dita «constituição europeia».


Mais artigos de: Europa

A condenação da política de direita

Os eslovacos manifestaram, nas eleições legislativas de sábado, 17, o seu repúdio pelas orientações liberais seguidas nos últimos anos e uma vontade clara de mudança de política.

Governo anuncia austeridade

Depois de ter renovado o mandato nas recentes eleições legislativas com a promessa de respeitar os compromissos sociais, o primeiro-ministro húngaro, Ferenc Gyurcsany, acaba de anunciar um severo programa de austeridade, que tem como objectivo central reduzir o défice orçamental público de oito para três por cento do PIB...

Portugal lidera queda

Portugal foi o país da União Europeia que registou, em Abril, a maior queda da produção industrial (-5,6%), tendência que foi comum à maioria dos restantes estados que adoptaram a moeda única.

Parlamento Europeu exige o fim de Guantânamo

Os eurodeputados aprovaram, no dia 13, uma resolução em que reclamam o encerramento do centro de detenção de Guantânamo e apelam à administração norte-americana que garanta a não utilização de «técnicas especiais de interrogatório».«Todos os prisioneiros devem ser tratados em conformidade com o direito humanitário...

Comprar sexo não é um desporto

A construção de um mega bordel junto das instalações alemãs do Campeonato Mundial de Futebol foi considerado por Ilda Figueiredo como «um verdadeiro atentado aos direitos humanos», sublinhando que se trata de óbvia promoção da prostituição forçada.Numa pergunta oral feita na sessão plenária do Parlamento Europeu, no dia...

Médicos alcançam acordo

Após oito semanas de protestos e greves, os clínicos dos hospitais universitários e outros estabelecimentos de saúde públicos da Alemanha chegaram a acordo com os estados regionais, obtendo uma revalorização salarial entre os 15 e os 20 por cento para os cerca de 22 mil profissionais do sector.Segundo os termos acordados...

Catalães aprovam ao novo estatuto

O eleitorado da Catalunha aprovou, no domingo, o novo Estatuto de Autonomia que reconhece, pela primeira, no seu preâmbulo, o povo catalão como uma nação.Num referendo marcado por uma elevada abstenção (50,6%), o «sim» venceu com uma ampla maioria de 73,9 por cento dos votos, contra 20,76 por cento obtidos pelo «não» e...