Contra as «políticas de interioridade»

Pelo desenvolvimento do interior

Carlos Gonçalves (Membro da Comissão Política do CC do PCP)
Em conformidade com as orientações do capitalismo neoliberal, está em curso um ataque brutal do Governo PS aos serviços públicos e funções sociais do Estado, visando implementar o «Estado mínimo» - com a redução drástica das suas responsabilidades sociais e de garantia dos direitos essenciais à vida - e galgando, sem decoro nem escrúpulos de maior, na privatização e liberalização destes bens e serviços públicos.

A liquidação de serviços e funções sociais do Estado assume particular gravidade nas regiões mais pobres do interior, potenciando a «interioridade»

Dá-se assim óbvia continuidade, numa «lógica» substancialmente agravada, às políticas de direita prosseguidas nos últimos muitos anos pelos governos ora do PSD ora do PS, com o CDS à ilharga.
Este assalto desenfreado sustenta-se numa nova fase mais «radical» das políticas orçamentais restritivas – um desenvolvimento inelutável, do ponto de vista das políticas de direita, de muitos anos de «Pacto de Estabilidade» e obsessão do déficit, apesar dos seus efeitos perversos estarem hoje mais que evidentes na continuada estagnação da economia e nas contas públicas criticamente «no vermelho» –, corresponde à crescente «disponibilidade» e cobiça dos «grandes interesses» na privatização de muitos desses bens e serviços – alguns, como a saúde, com «mercado» para muitos anos - e repercute um ainda mais desbragado alinhamento deste Governo PS/Sócrates, de maioria parlamentar absoluta, com esses interesses e as suas políticas.
A liquidação de serviços e funções sociais do Estado, que envolve todo o país, assume particular gravidade nas regiões mais pobres do interior, tornando-se, mais do que efeito, causa de abandono das populações e de desertificação (que atinge 1/3 do território nacional), potenciando a «interioridade» - um verdadeiro anátema que castiga este povo, resultado perene do inevitável desenvolvimento desigual do sistema socio-económico do lucro máximo – e as dificuldades da agricultura e das actividade produtivas, deste ciclo vicioso de estagnação e recessão económica, em que o país está atolado.
Assim, junta-se regressão social e miséria à pobreza, agravam-se as desigualdades sociais e inter-regionais, medra a macrocefalia metropolitana e inviabiliza-se o desenvolvimento equilibrado, a coesão e o progresso social do país.

A luta das populações

O Governo comprometeu-se a dar combate às «disparidades existentes», mas o facto é que, para 2006, retirou às Autarquias, incumprindo a lei, 57,5 milhões de euros, afectando sobretudo os Concelhos com menos «vida económica», e procedeu a uma redução brutal no PIDDAC regional, por exemplo de 41% no Distrito de Viseu; o facto é que, todos os dias, encerram redes de transporte, balcões da EDP, da PT, dos CTT, postos da GNR, tribunais, notários, conservatórias, serviços de saúde, jardins de infância e escolas, quase sempre com base em ratios economicistas, que não são discutidos com as populações, nem melhoram a sua qualidade de vida, não promovem a modernização e eficácia dos serviços, nem muito menos a discriminação positiva indispensável ao desenvolvimento das zonas mais causticadas pela «interioridade».
Muito recentemente emergiram novas ameaças de fecho de serviços, é o caso das maternidades, de Castelo Branco, Guarda e Lamego, de 8 das 10 urgências em SAPs do Distrito de Viseu, e de 486 escolas, com menos de 20 alunos, do 1º Ciclo do Básico, nos Distritos de Aveiro, C. Branco, Coimbra, Leiria, Guarda, onde fecham 132 (41,5%), e Viseu, onde fecham 214 (30,1%).
Eis, nu e cru, um senhor conjunto de medidas indutoras de mais «interioridade», que não é possível iludir, e que, pelo simples facto de se anunciarem, empurram, ainda antes de tempo, as grávidas para outras maternidades, os doentes idosos para o desespero e os alunos para o afastamento das comunidades, rescrevendo assim os ratios dos encerramentos futuros.
Mas as populações estão em luta contra as «políticas de interioridade», por exemplo, na Beira Interior, obrigando os orgãos autárquicos a tomar posição, apoiando abaixo assinados de comissões e movimentos muito diversos, manifestando-se com os sindicatos e organizações de classe - em defesa das maternidades, dos SAPs, das escolas de proximidade, do ambiente, da água pública, de novas acessibilidades, de transportes condignos e da Universidade de Viseu, contra o desemprego, as desastrosas políticas agro-florestais e as portagens, em suma, em luta pelo direito ao desenvolvimento e a novos avanços civilizacionais.
E há espaço para que estas lutas cresçam e atinjam novos patamares de intervenção.
E há determinação para que este Partido Comunista Português possa estar à altura destas lutas e cumprir o desígnio de vencer a «interioridade» e construir um desenvolvimento harmonioso e sustentável, a regionalização e o progresso social.


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