A americanização da social-democracia

Rui Paz

A incapacidade da social-democracia para aprender com os erros cometidos ao longo da História é impressionante

As recentes revelações sobre a colaboração verificada entre os serviços secretos alemães, BND e os Estados Unidos, durante os bombardeamentos norte-americanos contra o Iraque, mostram a duplicidade e a mentira em que assentou a vitória tangencial do ex-chanceler Schröder nas eleições de 2002 para o Parlamento alemão. Ao povo, Schröder declarava que a Alemanha não participava na guerra, mas às escondidas ajudava Bush a atacar o Iraque.

O Supremo Tribunal Administrativo já considerou ilegal e como uma grave infracção ao artigo 26.° da Constituição, a autorização concedida ao Pentágono pelo Governo SPD/Verdes para os EUA organizarem a guerra contra o Iraque a partir das bases norte-americanas instaladas em territorio e utilizando o espaço aéreo nacional alemão. Se as decisões da Justiça se cumprissem e tivessem consequências, neste momento Schröder e os membros do seu governo já deveriam estar detidos por «participação ou ajuda directa ou indirecta a uma guerra de agressão», crime punido na Alemanha com elevadas penas de prisão. Mas em vez do respeito pela Constituição, pela Lei e pelos Tribunais, vimos o actual Governo de Berlim, invocar a «Segurança Nacional» para impedir os deputados de utilizarem os legítimos poderes do Parlamento e constituírem uma comissão de inquérito para investigar tais ilegalidades e crimes.

A chamada «Segurança Nacional» tem servido ao longo da História para liquidar princípios e direitos constitucionais e democráticos, perseguir as oposições e instaurar numerosas ditaduras e regimes fascistas e fascizantes. Quer os Estados Unidos quer os governos da União Europeia estão a retomar doutrinas e métodos de governação que os povos supunham definitivamente banidos. São indiscutíveis as responsabilidades da social-democracia no retomar desta deriva securitária, antidemocrática, militarista e totalitária. A agressão contra a Jugoslávia decretada pela NATO em Rambouillet e consumada mesmo sem o aval das Nações Unidas abriu um ciclo de guerras infernal que tem provocado a morte e o assassínio de milhares de inocentes, aterrorizado os povos e destruído a economia e a infra-estrutura de cada vez mais estados. Mas, em vez de aprender e de ver o abismo para o qual a sua política tem conduzido e continua a conduzir a humanidade, os dirigentes sociais-democratas enfeudam-se cada vez mais aos interesses das oligarquias, às forças anti-democráticas e ao imperialismo norte-americano. Egon Bahr, um dos principais doutrinadores social-democratas do pólo imperialista alemão e europeu, antigo membro do governo de Willy Brandt, depois de constatar que «a divisão de tarefas (entre os EUA e a UE) deve-se às diferenças de poder, de capacidade, de ambição e de interesses», conclui que «os Estados Unidos e a Europa completam-se» e que «é este o sentido da actual divisão de tarefas». É dificil encontrar uma declaração mais rigorosa de conivência intra-imperialista.

A incapacidade da social-democracia para aprender com os erros cometidos ao longo da História é impressionante. Desde a identificação total com o militarismo alemão em 1914-1918 e da repressão sangrenta da Revolução de 1918/19 (incluindo o assassínio de dirigentes comunistas), à recusa em 1933 em impulsionar e participar na resistência popular contra a implantação do nazismo, a social-democracia continua a ser fiel executora dos planos das oligarquias opressoras entregando ou a repartir o poder com as forças mais repressivas e reaccionárias nos momentos de crise do capitalismo, como se verifica hoje na Alemanha com a coligação SPD/Merkel. Mas ao contrário do relógio do oportunismo, a hora é de resistência e de luta, não de capitulação e de subserviência face ao poder do dinheiro. Para os comunistas são os povo que terão a última palavra. É por isso que hoje, mais do nunca, a luta continua!


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