Domingos Abrantes

Estado actual da ofensiva contra o regime democrático


Mais de 20 anos de ofensiva contra as grandes conquistas democráticas alcançadas com a Revolução de Abril, acompanhada de ataques ao regime democrático, conduziram àquilo a que temos classificado de “desfiguramento do regime democrático”.
A proposta de Resolução Política, salienta que a coligação PSD, CDS/PP, chegada ao poder, colocou como objectivo estratégico fundamental prosseguir e aprofundar a ofensiva desencadeada pelos sucessivos governos contra o regime democrático, ofensiva que representa um salto qualitativo, assumindo um carácter global ao desenvolver-se simultaneamente no plano político, económico, social e cultural.
A clarificação da natureza do regime democrático em que vivemos hoje, feita não na base de definições abstractas, nem de declarações pomposas e mistificadoras, mas na base das suas características essenciais e perspectivas de evolução, tornou-se numa das questões centrais da vida política nacional, na medida em que ela nos revela o conteúdo e os resultados da longa ofensiva contra o regime democrático, a avaliação concreta das causas e das consequências das políticas de direita praticadas pelos sucessivos governos, os interesses e os projectos imediatos e futuros das diferentes classes e forças políticas.
Acresce ainda que a questão da natureza do regime democrático, deve merecer toda a nossa atenção na medida em que o PS, PSD e CDS, acolitados por uma legião de escribas e ideólogos a soldo, se esforçam por cobrir a ofensiva contra o regime democrático, com uma intensa produção ideológica destinada a iludir as consequências das sua políticas.
Apresentando o regime democrático como uma realidade abstracta, separado da natureza das estruturas económicas e esvaziado das componentes definidoras do seu conteúdo concreto, reduzem-no aos aspectos formais, procurando fazer esquecer que o regime democrático português “sendo filho da Revolução de Abril” é inseparável das profundas transformações sócio-económicas, nomeadamente, da liquidação do poder dos grandes grupos económicos e financeiros ao fim e ao cabo os principais beneficiários e sustentáculo do fascismo, um regime em que a democracia participativa deve assumir o carácter de complementaridade da democracia política.

Ao contrário do que pretendem fazer crer certos detractores do PCP, nós comunistas portugueses que, em condições de uma brutal ditadura lutámos como nenhuma outra força política pela liberdade, não subestimamos a importância da democracia formal, mas é necessário lembrar que o regime democrático português definido pelas suas características essenciais é inseparável das grandes conquistas democráticas de Abril as quais com a activa participação das massas populares rasgaram a perspectiva de um Portugal desenvolvido, soberano e independente, capaz de assegurar ao povo português uma vida melhor, no quadro de amplas liberdades.
E isto é tanto assim que ainda hoje a Constituição da República, apesar das mutilações que lhe foram infligidas pelas sucessivas revisões, consagra como objectivo e dever do Estado defender e promover as condições necessárias à realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.
Quer isto dizer que os preceitos constitucionais que seria pressuposto serem defendidos e obrigatórios para todos os Governos da República estabelecem uma relação directa, prática e indissolúvel entre os quatro vectores definidores do regime democrático e o Estado como seu instrumento e garante.
E quer igualmente dizer que os sucessivos governos do PS, PSD e CDS, sob as formas conhecidas, com as privatizações e a restauração dos velhos e novos grupos económicos, o crescente domínio do poder político pelo poder económico, a degradação das condições de vida das massas, a limitação de direitos dos trabalhadores, têm desenvolvido uma política anticonstitucional, antidemocrática e contrária aos valores e às conquistas de Abril e consequentemente desfiguradora do regime democrático, com o crescente domínio do poder político pelo poder económico, a governamentalização da vida política, do aparelho de Estado transformado em coutada para satisfação dos clientelismos partidários, da comunicação social pública posta ao serviço dos partidos do poder.
A chamada reforma do sistema político, já consubstanciado na “Lei dos Partidos” e na “Lei do Financiamento e das Campanhas Eleitorais”, constituem um brutal atentado ao regime democrático. Parte integrante dos ataques ao regime democrático é igualmente o propósito do PS e do PSD se entenderem para criar um sistema político bipolar, introduzindo alterações antidemocráticas nas leis eleitorais para as Autarquias Locais, para as Assembleias Legislativas Regionais e para a Assembleia da República.
A chamada Reforma da Administração Pública determinada pelo objectivo de a colocar ao serviço dos interesses do grande capital e acelerar a entrega de serviços públicos essenciais ao capital privado, subverte princípios constitucionais que estabelecem como obrigação da Administração Pública a prossecução do interesse público.
Uma política económica não virada para o desenvolvimento do país, mas para a concentração e centralização do capital, a intensificação da exploração, os baixos salários e pensões; uma política visando a degradação do Serviço Nacional de Saúde, o apossamento dos bens da Segurança Social pelas Seguradoras, é absolutamente contrária à exigência da democracia social.
A crescente subordinação de Portugal aos ditames de Bruxelas e o rumo federalista da integração europeia, pondo em causa a soberania nacional e restringindo significativamente o direito dos portugueses poderem decidir democrática e soberanamente de questões fundamentais para o seu destino colectivo, torna ainda mais distante e irrisória a possibilidade da democracia participativa.
As coisas estão claras. Está provado que o ataque às conquistas e direitos sociais, caminham a par dos ataques ao regime democrático. A ofensiva contra as vertentes essenciais do regime democrático se não for interrompida conduzirá a uma profunda reconfiguração do sistema de poder e do próprio regime democrático, objectivo já hoje reclamado abertamente por uns, disfarçadamente por outros sob a exigência de uma “rotura democrática” mas uns e outros convergindo na ideia que está chagada a hora do ajustar contas com o 25 de Abril, naquilo que tem de mais significativo e duradouro.
Nós, comunistas, que não nos limitamos a ver os perigos e as dificuldades, daqui, da tribuna do nosso XVII Congresso declaramos, que o PCP, com os trabalhadores, com as massas populares, com todos os sectores democráticos que se revejam nos valores de Abril, continuará a lutar para derrotar a política de direita, pela defesa do regime democrático.


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