O falso dilema de Silva

Jorge Cordeiro
Augusto Santos Silva decidiu juntar-se aos que, tomados pelo desejo, pressagiam a morte do PCP e o seu inevitável declínio. O facto, por tão repetido, não mereceria reparo. Tivesse o autor ficado pelo papaguear quanto ao irresolúvel dilema perante o qual o PCP estaria confrontado e dir-se-ia que, não tendo o homem mais com que se ocupar, ou enebriado que já esteja com o cheiro a poder que vê no horizonte, a caneta deu-lhe para ali. A verdade é que não ficou. Sob a capa de uma comovente preocupação com o PCP, o seu destino e influência, que a todos e a ele em particular não seriam indiferentes, Santos Silva acha-se no direito de a propósito do congresso do PCP, e das soluções de direcção que nele se adoptarão, se ingerir na sua vida interna, nas suas orientações e métodos de funcionamento.
Santos Silva não vê vida possível onde não haja luta pelo poder, ambições pessoais, traição entre amigos e cheiro a interesses, daí que decrete a morte do PCP. Santos Silva não concebe a vida democrática de um partido para além dos padrões que o seu lhe tem facultado, daí a explicada intolerância que o levaram a aprovar leis para tentar obrigar outros, no caso o PCP, a ser como ele julga dever ser. Insolente e atrevido, Santos Silva vê na «abertura do PCP e na incorporação de certos traços de modernidade», ainda que com «o risco de o fazer perder margem de diferença com os socialistas», a nesga pelo qual concede ainda como possível de fuga à morte que decretou.
O mundo dos partidos para Santos Silva esgota-se no horizonte dos que convivem no bloco central de interesses, dos que em tudo se identificam quanto a métodos de vida interna ou que em muito se aproximam em opções políticas essenciais, dos que lhe possibilitam esta coisa simples de ser-se de um como poder-se ser do outro. Para repouso do professor e reclamado socialista aqui se repete que o PCP não é o PS e muito menos quer ser como o PS.
Prescindindo de tão avisados conselhos, o PCP quer continuar a assentar a sua vida democrática na valorização do papel colectivo de direcção e da sua estreita ligação com a definição das orientações políticas, e não na mera fulanização ou predominância de poderes pessoais. O PCP quer continuar a preservar o principio da direcção colectiva com o que ele significa : ser o organismo e não qualquer um dos seus membros que decide das orientações fundamentais; não aceitar que qualquer membro sobreponha as suas opiniões às de todos os outros; considerar os êxitos do partido como resultado do esforço conjugado de todos e não obra de um qualquer; valorizar e estimular a contribuição individual para o trabalho colectivo, não a resumindo a um momento de apoio a um candidato que uma vez eleito sobre tudo disporá e decidirá.


Mais artigos de: Opinião

Lacaios & Açambarcadores

No auge da contestação ao pacote antilaboral «Hartz IV», o chanceler Schröder acusou os trabalhadores alemães de possuírem uma mentalidade de «açambarcadores» acrescentando que o fenómeno se estendia «até às classes médias». Com tal afirmação o «camarada dos patrões» ultrapassou as injúrias proferidas contra o movimento...

Como se sabe

José Sócrates é, como se sabe, o inventor da «esquerda moderna» - que é, como se sabe, uma coisa inventada, há décadas, por dedicados servidores dos interesses do capital, aos quais o novo líder do PS foi, agora, beber a inspiração. Diz José Sócrates, desta vez bebendo inspiração em John Kennedy, que os tempos que...

O nome da coisa

Ao contrário do que se poderia esperar, tendo presente o «terramoto» político provocado pelo «caso Marcelo», a divulgação pela revista Visão, na semana passada, dos planos do Governo para pôr de pé uma «central de comunicação» não suscitou grande polémica.O tema voltou a ser abordado anteontem, terça-feira, pelo jornal...

Justiça – O pacto (des)necessário

Aí está mais um «pacto de regime» em que os partidos do poder são useiros e vezeiros. Com os objectivos habituais. Desta vez para a justiça. De «pactos de regime» contra o regime democrático estamos fartos. O nosso pacto, em matéria de justiça, é a Constituição.

A travessia

Um pouco antes de ter fugido para Bruxelas, o então Primeiro-Ministro Durão Barroso entrou num «catamaran» e inaugurou as novas travessias fluviais entre Lisboa e o Barreiro. Toda a gente o viu, refastelado na cabina do piloto e flutuando naquele sorriso de quem acabou de entregar a lotaria ao País, a garantir ao povo e...