Venezuela: novo golpe avança a fogo lento (1)

Pedro Campos
Em 11 de Abril de 2002, depois de uma escalada de provocações, as forças mais reaccionárias da Venezuela desencadearam um golpe de Estado contra o governo constitucional de Hugo Chávez. Tudo começou quando se fez avançar uma marcha oposicionista sobre o palácio presidencial, sabendo que o mesmo estava rodeado, em jeito de protecção, por defensores do processo revolucionário. Eram necessários mortos que justificassem o golpe. Os líderes da marcha, soube-se depois, abandonaram-na «porque sabiam que haveria mortos» e deixaram que a marcha avançasse para a morte que lhe estava reservada pelos próprios organizadores. A poucos quarteirões do palácio, franco-atiradores, contratados no estrangeiro, colocados estrategicamente, disparam sobre a sua própria gente, enquanto a polícia do bando golpista, que flanqueava a marcha, fazia o mesmo sobre os populares que se prepararam para defender o palácio.
Hoje está fora de qualquer dúvida que os primeiros mortos foram do lado da revolução. Mas os franco-atiradores também eram bons e cumpriram o seu trabalho. Com mortos de lado e lado, estava na mesa a «desculpa» para o golpe. Não foi um golpe venezuelano, ou não só. A CIA, neste como noutros casos semelhantes quando sente que estão em perigos os interesses dos monopólios norte-americanos e dos seus serventes locais, meteu-se nele com armas e bagagens. Para o analista Wayne Madsen, a CIA participou activamente nos acontecimentos: «Facilitou pessoal do Grupo de Operações Especiais, dirigidos por um militar do Comando Especial de Fort Bragg, Carolina, para coordenar o golpe contra Chávez». A mesma informação de Projecto Censura recorda que, já em Junho do ano anterior, adidos militares tinham contactado oficiais venezuelanos para viabilizar um golpe, e que, enquanto se dava a operação golpista, militares norte-americanos estavam estacionados na fronteira colombo-venezuelana para qualquer logística de apoio e para evacuar cidadãos americanos, de ser necessário.

A história ameaça repetir-se

A pouco menos de dois anos de Abril de 2002, o silêncio dos sectores mais reaccionários e poderosos da oposição pressagia a intenção de reeditar os acontecimentos.
As jornadas de recolha de assinaturas para pedir o revogatório de Hugo Chávez não parecem ter-lhes corrido de feição e muito provavelmente não as terão conseguido em número suficiente. Só isso explica os crescentes ataques e provocações da oposição contra os membros do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e que até agora os seus líderes se tenham negado a declarar que aceitariam a decisão do árbitro eleitoral caso declarasse, com base legal, a inadmissibilidade do revogatório. Entretanto, o Centro Carter e a OEA já apelaram para que ambos os lados aceitem a decisão do CNE independentemente de qual seja, e já as forças bolivarianas se declararam dispostas a aceitar qualquer determinação do CNE.
Uma gravação telefónica interceptada entre dois figurões da oposição pode ajudar a entender o clima que ali se vive. Ramón Escobar Salóm, ex fiscal geral da República, fala telefonicamente com o filho e este diz-lhe que, numa reunião de opositores com a empresa Súmate (espécie de CNE da oposição), esta teria admitido que o número de assinaturas não teria excedido as 1,6 milhões, manifestamente insuficientes para convocar a consulta eleitoral.
Se a oposição não conseguir acabar com Hugo Chávez pela via eleitoral – e por esta parece que não pode mesmo – fica então a outra via, já proposta há algum tempo por Carlos Ortega, um dos artífice da greve patronal – indústria do petróleo incluída – de Dezembro 02/Fevereiro 03 (que ainda não foi desconvocada) e que fez descer em 15 pontos o PIB venezuelano. Este «líder» opositor propõe claramente um golpe ainda que este signifique anos e anos de ditadura. Não vem à memória a imagem do Chile de 1973?

Se não é golpe, que seja invasão

A oposição antibolivariana, que não cessa de se afirmar democrática e patriótica, brinca ainda com outras soluções talvez mais tenebrosas. Terminada a bazófia da Praça Altamira, feudo que os militares golpistas «tomaram» sem glória e abandonaram, vários meses e crimes depois, durante uma noite anónima, acaricia outra solução. Fresco o exemplo do Iraque, batem palmas antecipadas na expectativa de uma possível invasão da Venezuela pelos Estados Unidos.
No dia 12 do mês passado, dois militares golpistas refugiados em Miami, solicitaram a invasão do seu próprio país. Um tal Luís Piña afirma mesmo que «80% dos venezuelanos pedem essa intervenção militar». Nenhum país tem tantos traidores… O seu colega Silvino Bustillo, ex coronel conhecido especialmente pelo seu alcoolismo, manifestou-se no mesmo sentido. Entretanto, até agora, os líderes da oposição não se desmarcaram destas declarações.


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