À sorte

Henrique Custódio
Alegremente, com púlpito e fanfarra no aeroporto de Figo Maduro, o Governo e os altos comandos da GNR organizaram a partida dum destacamento para o Iraque. De boleia, e a convite de todos - Governo e GNR -, levavam uma boa dúzia de jornalistas nacionais para fazerem a cobertura da expedição e dos expedicionários. Tudo muito politicamente correcto, como manda a cartilha.
Só que o inesperado aconteceu: horas antes da partida, caiu em plenas despedidas de aeroporto a notícia de uma explosão que matara 18 «caribinieri» italianos, exactamente no quartel iraquiano destinado à força da GNR.
No Japão, isto foi suficiente para o Governo suspender de imediato o previsto envio de uma força.
Em Portugal, o púlpito ficou especado e sem discursos na imensidão do hangar, a fanfarra desapareceu em parte incerta e os expedicionários entraram no avião mudos após despedidas tensas, que os familiares não esperavam nem conseguiram disfarçar.
A expedição era mesmo perigosa. Os mortos cortavam quaisquer ilusões.
Seguiram-se reportagens do voo para o Kuweit, onde vimos diversos pastéis de nata a serem sorridentemente degustados pelos expedicionários, sob atento registo dos jornalistas.
Todo o País acabou empanturrado com estes pastéis de nata, por uma razão incontornável. Foi a única reportagem que estes jornalistas puderam mandar desde que chegaram ao Kuweit onde, de novo, enfrentaram o inesperado: foram sumariamente despejados do avião, sem qualquer escolta ou protecção e com um único «aviso» das forças britânicas – o de que «não se deviam meter à estrada» durante a noite...
Meteram-se no dia seguinte, como o recomendado, e lá se arrumaram todos em três jipes que avançaram, sozinhos, Iraque adentro, até serem perseguidos e assaltados por um bando em duas viaturas.
Resultado: uma jornalista ferida a tiro, outro raptado durante dois dias, uma viatura e todos os haveres roubados.
Perante isto, o comando da GNR em Portugal sacudiu a água do capote sob o patético argumento de que «apenas garantira transporte aos jornalistas até ao Kuweit», enquanto o Primeiro-Ministro Durão Barroso se mantinha mudo como o tal cherne. Só falou para se «congratular» com a libertação do jornalista....
Mas o facto – óbvio e apontado por toda a gente – é que os jornalistas que acompanharam o destacamento da GNR ao Iraque o fizeram a convite (sublinhe-se) do próprio Estado português que, através do Governo, tratara de tudo, desde o envio do destacamento da GNR ao fretamento do avião, passando pelo convite aos jornalistas para a cobertura da expedição – no Iraque, evidentemente, e não numa boleia até ao Kuweit...
Fugir a isto é não só patético, mas pateta.
É claro que a «boleia para o Kuweit» foi uma desculpa de pura desorientação, amplamente confirmada pelo silêncio comprometedor de Durão Barroso.
À evidência, o destacamento da GNR enviado para o Iraque foi forçado a abandonar os jornalistas portugueses no Kuweit pelo simples facto de que, ele próprio, não dispunha de qualquer autonomia e estava inteiramente sujeito às determinações do contingente inglês.
O que escancara a total indiferença com que o contingente português é olhado pelos ocupantes «aliados» do Iraque, aliás bem prenunciada pelo sarcasmo com que Wolfowitz, o «estratega» da administração Bush sobre esta guerra, se referiu recentemente ao contingente da GNR, tendo sido, mesmo assim, o único a referir-se-lhe, dado que a expedição portuguesa foi totalmente ignorada pela informação dos EUA e também da Europa.
Em suma, os jornalistas portugueses enviados para acompanhar a GNR no Iraque foram abandonados à sua sorte, porque tanto a GNR, como o Governo que para lá a mandou, agiram sobretudo... à sorte.
Para grande azar nosso e do País.


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