Cimeira ibero-americana

Muita parra e pouca uva

O tema central da XIII Cimeira Ibero-Americana era ambicioso: a inclusão social como motor do desenvolvimento. Mas todos sabiam que esta Cimeira seria estéril.

A esmagadora maioria dos presentes representava oligarquias

Na América Latina, hoje, com as excepções de Cuba e da Venezuela, os governos instalados no Poder praticam políticas neoliberais. O mesmo acontece em Portugal e Espanha.
Daí uma contradição antagónica entre o discurso humanista e a realidade. A Declaração Final aprovada por unanimidade é um documento de claro conteúdo antineoliberal. Nele, o sistema de exploração vigente aparece condenado e o papel do Estado considerada indispensável para promover a participação dos excluídos na sociedade e na defesa da soberania dos povos.
Como era inevitável, os discursos foram - com raríssimas excepções - meros exercícios de retórica.
Kofi Annan - o mais submisso secretário-geral da ONU desde que ela foi criada -, abriu o Encontro com uma fala que caracterizou bem a atmosfera de hipocrisia. Apresentou a América Latina como um Continente no qual a democracia criou raízes profundas. Foi obviamente muito aplaudido por uma Cimeira onde a esmagadora maioria dos presentes representava oligarquias que excluem os respectivos povos de qualquer forma de participação real na construção do presente.

Os representantes dos excluídos

Aquilo que a Cimeira não disse foi, entretanto, proclamado no Encontro Social Alternativo que se realizou simultaneamente em Santa Cruz de la Sierra. O panorama de dependência, atraso e miséria oferecido pelos países da América Latina foi apresentado com nitidez pelos representantes dos excluídos. Após duas décadas de neoliberalismo, 220 milhões de latino-americanos vivem abaixo do nível da pobreza; desse total, 95 milhões são indigentes.
Os mecanismos da dívida externa continuam a funcionar como motor de sucção da riqueza produzida pelos povos. Essa dívida, que atingia 443 mil milhões de dólares em 1990, ultrapassou os 700 mil milhões em 1990. Entre 1882 e 1996 os povos pagaram em juros e amortizações 706 mil milhões. Mas a dívida acumulada não parou de crescer.
O desemprego subiu de 6,3% em 1990 para 10% no final do século. O trabalho precário e a economia informal cresceram desmesuradamente, os serviços de saúde e a educação degradaram-se e o controlo das transnacionais sobre as débeis indústrias nacionais tornou-se hegemónico.
Aznar estava eufórico no final da Cimeira, porque esta aprovou, finalmente, a criação de uma Secretaria Permanente, cuja sede será em Madrid. Teoricamente trata-se de institucionalizar o fórum ibero-latino-americano. Mas nada se espera desse organismo burocrático.

Diálogo entre fóruns

Houve diálogo entre a Cimeira e o Encontro Social Alternativo. Um médico indígena, Eduardo Medina, dirigiu-se aos chefes de Estado e de governo para lhes apresentar um documento do qual consta um apelo para que não assinem a ALCA, imposta pelos EUA, projecto que, a ser aplicado, «será a ruína económica, cultural e ecológica da Região».
O presidente da Bolívia, Carlos Mesa, apresentou-se no Encontro Alternativo. Fez promessas vagas, mas não deu garantias relativamente à política que adoptará relativamente a questões fundamentais como a ALCA, a exportação de gás natural, as minas, a relação com as transnacionais e os cocaleros.
A Declaração Final, como se esperava, condenou - tal como as anteriores Cimeiras - o bloqueio a Cuba, expressando o desejo de que os EUA revoguem a Lei Helms Burton.
A solidariedade com o povo cubano foi, aliás, uma constante naqueles dias em Santa Cruz de la Sierra, não obstante Fidel Castro não ter podido comparecer. Nos bastidores admitia-se que Aznar tinha a intenção de montar uma provocação contra Cuba, por intermédio de um presidente da América Central. Mas não havia na Bolívia ambiente para manobras contra a Ilha.
De Durão Barroso não se falou; apenas lhe exibiram a cara na televisão, sem o identificar.
Dos governantes estrangeiros presentes na Cimeira, apenas dois, Hugo Chavez e o cubano Carlos Lage - que chefiou a delegação do seu país como vice-presidente do Conselho de Estado - levaram a sua solidariedade ao Encontro Alternativo e discursaram no estádio municipal, aclamados pelo povo.
O venezuelano, numa mensagem bem clara aos bolivianos, expressou o que os povos da América Latina sentem: « Há um culpado pelo que ocorreu aqui que deve ser julgado. É o mesmo culpado pelo que aconteceu em 1988 na Venezuela e os homens e mulheres deste continente devem julgá-lo. E esse é o neoliberalismo que está acabando com os nossos povos».


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