Comentário

Modificações genéticas

Natacha Amaro
Organismos Geneticamente Modificados (OGM) é uma expressão quase banal no léxico de áreas como a agricultura, a biotecnologia, a saúde, o ambiente, os consumidores ou a economia.
Podem-se definir OGM como organismos e micro-organismos em que o material genético (ADN) foi alterado de forma a que o seu comportamento não é o normal ou resultado de uma recombinação natural. A ideia central é a manipulação dos organismos, a nível bioquímico e genético, no sentido de conferir-lhes características que antes não possuíam ou anular as consideradas dispensáveis, usando técnicas bastante complexas, havendo a possibilidade no processo de danificação no equilíbrio do material genético do organismo com efeitos difíceis de prever e/ou controlar.
Actualmente existem dezasseis géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados que podem ser legalmente comercializados na comunidade, vigorando desde 1998 uma moratória de facto sobre a aprovação de novos OGM na cadeia alimentar.

Argumentos

Ao longo dos anos, muitos argumentos se esgrimiram sobre o uso de OGM. Uma forma de separar as águas e entender algumas das motivações é distinguindo quem defende os OGM e com que argumentos. As multinacionais, nomeadamente da área da biotecnologia, e o governo norte-americano são os grandes porta-vozes dos atributos dos OGM por oposição às associações de agricultores, às organizações ambientais e ONGs, que defendem cautela, mais investigação na segurança destes produtos e menos pressa na sua utilização.
A segurança alimentar é um dos pilares da discussão que rodeia os OGM, levantando-se questões como a toxicidade e a incidência de alergias relacionadas com o seu uso. Por outro lado, há opiniões que defendem que o uso de espécies mais resistentes levaria à utilização de menos pesticidas. No entanto, a quantidade empregada em países como os EUA aumentou e as empresas produtoras de químicos já solicitam autorização para aumentar a sua toxicidade. Ainda em termos ambientais, há que ter em conta um dos maiores problemas que advém do uso de OGM: dadas as suas características, após a sua aplicação num solo este não pode ser revertido para outro tipo de cultura, convencional ou biológica, reforçando-se assim a ideia de que a livre escolha relativamente ao seu uso é uma falácia.
A resolução do problema da fome mundial, ao produzir espécies mais rentáveis, é também um dos argumentos invocados. Contudo, todos sabemos que o problema da fome tem a ver com a desigual repartição dos recursos e não com o total produzido, sendo disso prova os excedentes agrícolas dos EUA e da UE.
Os próprios defensores dos OGM têm sido hábeis em escamotear informações relativamente a falhanços da biotecnologia nesta área, com imensas superfícies devastadas por pragas incontroláveis, e às consequências da utilização de espécies fora do seu habitat, invadindo espaços reservados a outras culturas autóctones, destruindo a biodiversidade e o equilíbrio ecológico.
Por último, é incontornável a questão da transformação de um saber que é global, da humanidade, numa patente facilmente transaccionável e rentável.

O debate

Naturalmente, a política não está à margem da questão e é neste terreno que assistimos a grandes batalhas na tentativa de estabelecimento de regras e exigência de segurança na utilização dos OGM e pelo esclarecimento e clarificação deste fenómeno, suas implicações e consequências.
Assim, o debate promovido pelo PCP no passado dia 6 de Novembro sob o tema «Agricultura e Ambiente: Agricultura Biológica e Organismos Geneticamente Modificados» foi mais um contributo para a discussão urgente e inadiável sobre o papel dos OGM no futuro da agricultura e, de uma forma mais alargada, do planeta. Contando com a opinião de diversos especialistas e representantes de organizações, o debate ressaltou alguns dos pontos mais preocupantes relativamente à utilização destes organismos na agricultura bem como o seu impacto no meio ambiente. Questões como a segurança alimentar, a poluição ambiental, a soberania alimentar ou a patenteação de organismos vivos foram aprofundadas num debate que enriqueceu a reflexão já existente sobre a matéria.
Paradoxalmente a estas inquietações, poucos dias depois era dado pela Comissão Europeia mais um passo na direcção do seu objectivo há muito conhecido de liberalização total dos OGM. O Comissário para a Saúde e Protecção do Consumidor solicitou a um Comité composto por peritos dos estados-membros, uma decisão sobre a introdução no mercado comunitário de um milho transgénico. Se este Comité votar negativamente, a proposta é reencaminhada para o próximo Conselho de Ministros de Agricultura, em Dezembro e, na possibilidade de rejeição também pelo Conselho, volta à Comissão onde poderá ser aprovada por maioria qualificada.
A consequência mais grave deste processo não é a introdução de mais um género alimentício geneticamente modificado no mercado, o que por si só seria bastante, mas antes a moratória de facto ser levantada. No Parlamento Europeu, como a nível nacional, continuaremos a lutar pela manutenção da moratória, pela soberania e segurança alimentar, contra a poluição ambiental e a patenteação e mercantilização de organismos vivos.


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