Emblemáticas indústrias desaparecem

As rotas do desemprego

Gustavo Carneiro
Habitação de luxo e armazéns ocupam hoje o lugar de algumas indústrias emblemáticas. O PCP está a percorrer as «rotas do desemprego» no distrito de Lisboa.

No lugar das antigas fábricas estão prédios de habitação e armazéns

O PCP quer impedir a continuação da degradação e destruição de importantes unidades industriais do distrito de Lisboa. Num momento em que estão em risco de encerrar – ou encerraram muito recentemente – empresas simbólicas como a Sorefame, a Melka, a Euronadel ou a Cometna, os comunistas lembram outros marcos emblemáticos da indústria nacional, hoje desaparecidos (ou quase). Ao conjunto de visitas a estas empresas e ao contacto com os seus trabalhadores, o PCP apelidou de «Rotas do Desemprego».
A primeira «rota», no eixo Sacavém/Vila Franca de Xira, realizou-se na segunda-feira. Durante a manhã, dirigentes regionais do PCP, acompanhados pelo deputado António Filipe, visitaram as instalações – ou o que delas resta – de algumas empresas e contactaram com vários trabalhadores, alguns desempregados há mais de uma década. Apesar do suor que deixaram nas suas empresas, muitos saíram sem nada. Apenas com o sabor amargo do fim precoce de uma vida de trabalho e, na melhor das hipóteses, com um inesperado e atribulado «começar de novo», que em muitos casos significou trabalho menos qualificado e mais mal pago.
O que apenas há poucos anos eram movimentadas zonas industriais, nomeadamente em Sacavém, Alhandra e Vila Franca de Xira, lembram hoje um qualquer roteiro arqueológico. Edifícios desertos e degradados escondem a agitação e a vida que outrora conheceram, no frenético vai e vem da produção material. Noutros casos, nada resta: no lugar das antigas fábricas, palcos de vidas inteiras de trabalho e luta, erguem-se, imponentes, luxuosos prédios de habitação. Vestígios desse trabalho e dessa luta, nem vê-los.

Desemprego não é conjuntural

Junto ao rio Trancão, no que em tempos foi a fábrica metalúrgica Trefilaria, prepara-se o terreno para a construção de armazéns. À falta de produção industrial, guarda-se o que outros produzem. Um pouco ao lado, no que resta de uma fábrica, um placard anuncia a venda das instalações. Desconhece-se o seu destino, mas tudo cheira a especulação. Mais adiante, um entreposto automóvel instalou-se no que antes fora uma grande indústria têxtil.
Em todas as empresas que os comunistas visitaram na segunda-feira, trabalhavam mais de oito mil trabalhadores. Actualmente, nas que ainda laboram, sobram poucas dezenas.
O desemprego atinge já mais de 100 mil trabalhadores no distrito de Lisboa e prova-se que não é fruto de uma qualquer conjuntura desfavorável ou «crise» passageira, como alguns querem fazer crer. Este fenómeno resulta fundamentalmente de políticas seguidas por sucessivos governos, vocacionadas para a destruição do aparelho produtivo nacional. A perspectiva de lucro imediato, fruto da especulação imobiliária, falou mais alto nos ouvidos patronais. Os governos tudo permitiram e o País está mais frágil.
Em preparação estão mais «Rotas do Desemprego». As linhas de Sintra e de Cascais, a cidade de Lisboa e os concelhos do norte do distrito são os próximos caminhos a serem trilhados.

Sobre os escombros da indústria nascem prédios
A vitória da especulação

Um enorme descampado, a perder de vista, alguns poucos edifícios degradados, máquinas de terraplanagem: Eis no que está transformada a antiga Mague.

Nos terrenos da antiga Mague, uma das mais importantes fábricas da metalo-mecânica pesada a nível mundial, despontam já arruamentos e palmeiras. O futuro deste espaço pertence a um aglomerado habitacional. As obras estão de momento paradas, mas o destino parece estar traçado. Foi neste desolador cenário que encontrámos antigos trabalhadores da empresa, que esperavam a delegação do PCP e os jornalistas que a acompanhavam.
Lúcio Janeiro, um dos trabalhadores, fala com indisfarçável orgulho dos feitos da «sua» Mague. Graças a ela, recorda, o nome de Alverca está inscrito em invejáveis obras de engenharia espalhadas pelo mundo: do Chile à antiga União Soviética, do Bahrein aos Estados Unidos da América. Das suas oficinas saiu o maior pórtico do mundo, a funcionar nos estaleiros navais de São Francisco, na costa oeste dos EUA, recorda. Mas também os pórticos da Lisnave e da Setenave foram lá construídos.
Carlos Braga, que também trabalhava na Mague, considera que não havia qualquer razão para o encerramento da empresa em 1991. «Trabalhávamos para sectores fundamentais da economia nacional, como o sector da energia» recorda. Carlos Braga afirma que a Mague era viável e recusa que existisse algum problema com a empresa. Lúcio Janeiro concorda: «tínhamos tecnologia de ponta e éramos tecnologicamente auto-suficientes. Não dependíamos de ninguém, português ou estrangeiro.»
Quando encerrou, a Mague empregava entre oitocentos e mil trabalhadores. Mas chegou a ter ao seu serviço cerca de dois mil e quinhentos. Hoje, muitos estão reformados. Outros trabalham à hora nas instalações de Setúbal ou na ABB, em Alfragide. Estas, sem capacidade para realizar as grandes obras que se produziam em Alverca, não são alternativa. Portugal precisa agora de importar aquilo que já produziu melhor que ninguém.
Para Carlos Braga, os governos são responsáveis pelo fim da Mague. Na sua opinião, interesses obscuros contrários ao interesse nacional ditaram o fim da mítica empresa metalo-mecânica. «Isto foi obra do liberalismo cavaquista», remata Lúcio Janeiro.

Peça de museu

Em Sacavém, o processo está mais adiantado. Da mítica Fábrica da Loiça de Sacavém já não resta nada, nem destroços. No local onde antes esteve colocada ergue-se, imponente, uma luxuosa urbanização, realização da Obriverca, a mesma que se prepara para construir nos terrenos da antiga Mague. Da actividade que ali imperou durante várias décadas, apenas o Museu da Loiça guarda memória. Uma memória louvável, mas morta.
A Fábrica de Loiça de Sacavém era uma empresa centenária. Fundada em 1856, trabalhou até ao início da década de noventa do século passado, tendo sido encerrada sem o mínimo esforço por parte do governo de então para a viabilizar.
Os trabalhadores – que chegaram a ser cerca de 1300 – esperam ainda pelo pagamento das suas indemnizações. Os salários eram baixos e as indemnizações não o seriam menos. Porém, de inestimável valor para quem as deveria receber.
No meio de tanto luxo, fica por saber quantos andares valeriam o pagamento dos créditos devidos a quem deu toda uma vida à emblemática fábrica sacavenense. Muito poucos, certamente.

Trefilaria
Só resta a memória

Da Trefilaria não resta nada. Apenas a memória dos que aí trabalharam e de outros, que de um ou outra forma a ela ligaram a sua vida. Fechada esta fábrica de arames em 2001, os seus terrenos estão hoje em fase de preparação para as obras que os deverão converter em armazéns. Foi este o destino traçado ainda antes do seu encerramento, quando os terrenos foram adquiridos por uma imobiliária pertencente, na altura da venda, ao grupo Espírito Santo. Para António Ricardo, antigo trabalhador da empresa, está-se a transformar o País num grande armazém de produtos estrangeiros. «Muito do que se fazia na Trefilaria é hoje importado», denuncia. A empresa, destaca, tinha uma capacidade instalada de várias dezenas de milhar de toneladas de produto por ano e sofreu com o fim da indústria siderúrgica nacional.
«Isto é resultado da política industrial que temos», acusa o ex-trabalhador, que considera que o País está cada vez mais dependente das importações, mesmo no que respeita a produtos industriais básicos.
A empresa chegou a empregar mais de 740 trabalhadores, no início da década de oitenta. No fim, eram já muito menos.
Para António Ricardo, não se deveu aos trabalhadores um possível insucesso da empresa, pois estes «sempre lutaram pelo seu futuro». E lembra um episódio que poderia ter sido o último da Trefilaria, não fosse a dedicação e empenho dos trabalhadores. Em 1983, umas violentas cheias inundaram Sacavém e a empresa não ficou a salvo. Centenas de máquinas e milhares de motores ficaram inutilizados, completamente submersos. Contra a opinião da administração, que considerava a empresa irrecuperável, e do governo, que não canalizou para a empresa qualquer apoio, os trabalhadores conseguiram pôr algumas máquinas a funcionar ao fim de oito dias. «Trabalhou-se aqui dez, doze, e até catorze horas seguidas, e sem se ganhar mais por isso», recorda.
A Trefilaria resistiria mais uma vintena de anos para lá das inundações. Mas o que a água não conseguiu foi alcançado pelos interesses imobiliários e pelas políticas governamentais.

Móveis Olaio
Exemplo de má gestão

Nas instalações dos Móveis Olaio funciona hoje um sem número de lojas e pequenas oficinas. Apesar da antiga fachada se manter, nada resta da que foi uma das mais importantes fábricas de mobiliário do País, que chegou a empregar mais de mil e duzentos trabalhadores.
Manuel Pinto foi um dos trabalhadores a ficar até ao fim da empresa. Como ele, muitos ficaram no desemprego demasiado novos para se reformarem. Criada na década de setenta, a fábrica de mobiliário fechou em 1996, com menos de duzentos trabalhadores, grande parte ainda em idade activa.
«Nunca faltaram as encomendas», destaca Manuel Pinto. O encerramento dos Móveis Olaio é «um exemplo de má gestão», afirma o antigo trabalhador da empresa, que aponta o dedo acusador ao último patrão, Mota Marques. «Havia dinheiro, mas era canalizado para outros lados», denuncia.
Luís Bentes saiu da empresa em 1995 e recorda os últimos anos na fábrica. No início da década de noventa, lembra, foram retirados os subsídios. Os trabalhadores recebiam apenas o ordenado-base. Tudo o resto seria pago, a quem o desejasse, em artigos de mobiliário. O mesmo se passou com as indemnizações a quem foi saindo. Alguns houve que aceitaram o pagamento «em géneros». Mas as dívidas mantêm-se e ascendem a mais de dois milhões de euros. E os trabalhadores continuam à espera. Há vários anos.

Argibay
Havia trabalho!

O cenário não podia ser mais deprimente. Um portão escancarado, uma portaria vazia e destruída e mato denso limita as instalações da Argibay, empresa de construção e reparação de pequenas e médias embarcações do concelho de Vila Franca de Xira. Lá dentro, as coisas não são muito diferentes. Barracões abandonados e um barco por acabar denuncia um processo sumário de encerramento.
António Beirolas trabalhou 33 anos na empresa e conta que quando a Argibay encerrou trabalhava-se em seis embarcações, que manteriam os trabalhadores ocupados por mais dois anos. Mas os salários deixaram de ser pagos e a empresa encerrou, deixando os mais de duzentos trabalhadores no desemprego.
As dívidas aos trabalhadores, superiores a um milhão de contos, continuam por pagar, quase dez anos depois. Para além dos salários em atraso, resultam também da venda dos bens da empresa, três anos depois do fecho. Os trabalhadores deveriam ser os primeiros beneficiários da venda dos bens da empresa mas continuam à espera.

MEC
Destruição progressiva

A MEC está a ser destruída aos poucos. Esta é a convicção de Rosa Saúde, trabalhadora da empresa e dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de Lisboa. Longe vão os tempos em que esta empresa empregava trezentos trabalhadores e era uma referência do mercado de componentes metálicos para a indústria do gás.
Os últimos anos, em especial o último, foram difíceis para os trabalhadores. A empresa deixou de pagar subsídios, e as pressões aumentaram. Em alguns casos, o resultado foi o desejado pelo patronato: rescisões e saídas, sem indemnização. Restam na MEC 53 trabalhadores, a maior parte com contratos precários.
O futuro da empresa permanece uma incógnita. A administração recusa prestar os esclarecimentos exigidos pelo sindicato. Rosa Saúde não hesita em acusar o patrão da MEC pela situação que se vive. E lembra que com toda esta situação quem fica a ganhar é a SIFEC, empresa concorrente, que está a crescer. Empresa que é propriedade do filho do dono da MEC.

Grupo Previdente
Faltou modernização

Uma enorme área industrial, com diversos pavilhões, é actualmente utilizada por pouco mais de 40 trabalhadores. Entre estes e os cerca de 1100 que já trabalharam no local não há qualquer semelhança. Outrora um vigoroso grupo industrial do ramo da metalurgia, o Grupo Previdente atravessou um período de grande desenvolvimento nos anos setenta. Mas logo na década seguinte, começariam os ataques ao centenário grupo industrial.
João Mouro, ex-trabalhador da empresa, conta que se «dividiu para reinar». O grupo foi segmentado em diversas empresas, de várias especialidades: compassos, amortecedores, parafusos. Com o tempo, as empresas foram fechando, umas atrás das outras. «Não se modernizaram e não conseguiram resistir à concorrência», afirma João Mouro.
O antigo membro das estruturas de trabalhadores do grupo lembra a destemida luta dos trabalhadores contra o encerramento e pela viabilização. Numa das empresas, as trabalhadoras conseguiram evitar o encerramento, em 1993. Essa empresa acabaria mesmo por fechar, mas apenas em 2000. «Os trabalhadores quiseram manter isto até ao fim», destaca.

Lois
Dez anos à espera

À porta da antiga Lois – onde hoje estão instalados armazéns de material eléctrico – um grupo de trabalhadoras esperava a delegação do PCP. Queriam contar a sua situação e a revolta que sentem quando vêem à venda roupa semelhante àquela a cuja confecção dedicaram grande parte da sua juventude. «Há muita roupa da Lois por aí, a patente mantém-se», afirma Cidalina Basílio, antiga trabalhadora. «Só os trabalhadores é que ficaram pelo caminho.» Para a ex-trabalhadora da empresa, «é mais barato produzir em fábricas pequenas, pagas à peça».
A empresa encerrou há mais de dez anos e não foram ainda pagos os salários em atraso e as indemnizações. Cidalina Basílio considera não ter havido qualquer justificação para o fecho da empresa. «Trabalho nunca faltou», recorda. Só não se trabalhou até ao fim porque as trabalhadoras deixaram de produzir ao fim de três meses com salários em atraso.





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