Comentário

A Farsa e a Tragédia

Pedro Guerreiro
As conclusões da recente reunião do Comité Central são um valioso instrumento para a intervenção do Partido. São justas as análises da situação política nacional e internacional aí contidas, bem como as orientações e tarefas que se colocam ao nosso colectivo partidário aí definidas. Tanto mais justas são a análise e as orientações, quanto estas se alicerçam na realidade. Vejamos o exemplo da União Europeia (UE).

Uma vez mais, e bem, é feita a necessária denúncia do inaceitável significado, conteúdo e propósitos da denominada «constituição europeia»: (1) o aprofundamento da natureza federalista e reforço do domínio das grandes potências, (2) a «constitucionalização» das estruturas e política económica do capitalismo neoliberal e (3) o lançamento das bases institucionais da militarização da UE e da sua transformação num bloco político-militar, com uma política de defesa comum articulada com a NATO. Confrontemo-la com o início dos trabalhos da Conferência Intergovernamental (CIG), que debate este novo tratado, e com as conclusões da recente Cimeira da UE, realizada a 16 e 17, em Bruxelas, onde o Governo PSD/CDS-PP é co-responsável.
A militarização - e após a concertação entre os denominados «grandes» (França, Alemanha e Grã-Bretanha) quanto a um acordo para a implementação da chamada política de defesa da UE, toda vocacionada para o intervencionismo militar - foi debatida no quadro da CIG, chegando-se às seguintes conclusões iniciais: a UE deve militarizar-se, com base numa cooperação estruturada e no quadro da relação «fundamental» com a NATO.
Os Estados Unidos, de imediato, exigiram a realização de uma reunião extraordinário da NATO, na qual, a «EU» terá «tranquilizado» o seu «parceiro» quanto às suas «preocupações», assegurando a «plena compatibilidade e complementaridade com o quadro transatlântico».
Quanto às orientações neoliberais da política económica, a Cimeira da UE reafirma tudo e aponta velhas intenções. Ou seja, reafirma a política monetária e o Pacto de Estabilidade, ao mesmo tempo que a França e a Alemanha fazem o que bem lhes apetece, não o cumprindo em três anos consecutivos.
Reafirma os objectivos da Estratégia de Lisboa, com uma «maior flexibilidade dos mercados de produtos, de capitais e de trabalho», de que são exemplo a liberalização e privatização dos serviços públicos e a destruição dos sistemas públicos de protecção social, a par da diminuição relativa dos salários - políticas de direita realizadas por governos quer de partidos de direita quer por partidos social-democratas.
E aponta intenção de realizar um conjunto de investimentos, em incoerência com o que reafirmou, respeitando as actuais limitações financeiras - saliente-se que o projecto de orçamento comunitário para 2004, em percentagem do PIB comunitário, está ao nível de 1987 - e no quadro dos interesses do grande capital.

Séria ameaça

Entretanto, na CIG continua a farsa e a apresentação de forma mistificatória, como «constituição» e «tratado constitucional», da nova e inaceitável proposta de tratado em debate na CIG. Aliás, sublinhe-se, de forma nada ingénua, pois os que assim procedem têm em mente a aceitação mais ou menos explicita do primado da denominada «constituição europeia» sobre as Constituições nacionais, nomeadamente a Constituição portuguesa. Farsa, que a não ser firmemente denunciada e combatida, poderá transformar-se em tragédia, representando um ataque claro a um Portugal soberano e independente, ou seja, ao legitimo e inalienável direito do povo português decidir plenamente do seu presente e futuro.
E sobre o valor da soberania, veja-se o cinismo dos governos da Alemanha e da França que, ao mesmo tempo que impõem o seu domínio, ou seja, que asseguram as condições que permitem salvaguardar a sua soberania - o seu poder - no processo de decisão da UE, ameaçam com a não continuidade dos fundos estruturais aos que levantam questões ao seu diktat. Como se a soberania de um povo pudesse ser hipotecada ou manietada a troco de uns dinheiros, ou de um acordo quanto à quota de leite dos Açores ou de um compromisso com a Espanha quanto à limitação, a prazo, do acesso da sua frota pesqueira às águas portuguesas - não estando ainda clarificado se há e qual o preço a pagar no futuro próximo.

PS: apesar do grande patronato sueco recusar divulgar o total do montante com que financiou a campanha pelo «sim» ao «Euro», estimativas publicadas na imprensa sueca apontam para cerca de 55 milhões de euros (cerca de 11 milhões de contos). E mesmo assim perdeu!


Mais artigos de: Europa

Ameaça à flora e fauna

As culturas com sementes transformadas geneticamente afectam o equilíbrio natural e ameaçam certas espécies animais, revela um estudo encomendado pelo governo de britânico.

No último lugar

Um relatório da Comissão Europeia indica que 78 por cento da população portuguesa com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos têm um nível baixo de formação educacional.

Alemanha reduz direito sociais

O chanceler alemão, Gerhard Schroeder, anunciou, no domingo, que as pensões de reforma não sofrerão qualquer aumento em 2004 de modo a combater o forte défice do sistema. Em contrapartida, as cotizações patronais irão manter-se em 19,5 por cento. Segundo o governo, o sistema de pensões deverá atingir no próximo ano uma...

Descarrilamentos no metro de Londres

O sindicato ferroviário RMT atribuiu os dois decarrilamentos verificados no metro de Londres, na sexta-feira e no sábado, às más condições em que se encontra a linha, cuja manutenção foi entregue pelo governo a empresas privadas. O primeiro acidente ocorreu à noite na linha de Picadilly, quando uma composição que...

Greve termina com vitória

Depois 11 dias de greve, os sindicatos obtiveram um acordo que beneficia os cerca de 3500 trabalhadores de empresas contratadas e subcontratadas que prestam serviço no complexo petroquímico da Repsol YPF, em Puertollano.As barricadas, que durante quase três semanas impediram o acesso às instalações, foram retiradas pelos...