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O lúcido pragmático
e os sábios loucos

CIÊNCIA & TECNOLOGIA  • Francisco Silva

Vasco Pulido Valente (VPV) chamou-lhes sábios loucos. Referia-se, na oportunidade, cito-o, a Roberto Carneiro (RC) e ao seu colega e amigo Marçal Grilo (MG). Isto, a propósito de um estudo de RC sobre a Educação. Um estudo encomendado por MG, suponho que na altura em que este foi Ministro da Educação. Não li o estudo e, portanto, não me vou pronunciar sobre os pressupostos nem sobre a correcção ou incorrecção das suas conclusões, incluindo a necessidade de se ter de vir a atingir gastos - ou investimentos, digo eu - com a Educação da ordem dos 5,8% do PIB, caso se pretenda que o nosso povo venha a alcançar um nível educacional semelhante a outros países desenvolvidos. Ficou-me na memória um período de 20 anos para atingir o nível actual de tais países - período para o qual, de tão dilatado, já não consigo raciocinar acerca de tais futuros.

O que me interessa aqui é antes agarrar o touro pelo que VPV disse sobre os gastos com a Educação e os objectivos para o nosso País nesta matéria. Pois VPV - pareceu-nos - para além de bastante estimulado contra o despesismo nesta área, decidiu contrariar a tese corrente de que um povo com um elevado nível na área da Educação acaba por conduzir a sociedade a que pertence a um correlativo nível de desenvolvimento económico. Para VPV as coisas dão se exactamente ao contrário: «desenvolvimento económico e mercado é que puxam pela Educação». Além disso disse, após uma tal claríssima opção por um determinismo económico a fazer lembrar as chamadas interpretações vulgares do marxismo (pobre Marx!), e talvez para não incorrer na acusação de uma visão estática, que é de natureza adaptativa o processo em que a Educação vai correspondendo ás necessidades apresentadas pelo nível de desenvolvimento económico. E por isso, VPV a desejar que Portugal não vá na conversa dos tais sábios loucos. Sim, porque já teremos uns 30 mil a 40 mil licenciados no desemprego. Que o nosso País deve abandonar a senda percorrida pelo liberalismo sempre que esteve no poder - os tais duzentos anos referidos também por RC, exceptuando o interregno em que esteve instalado o fascismo português, relembra-nos VPV -, isto é, a "errada" senda de querer pôr a ler, escrever e contar um povo tributário de uma agricultura arcaica e indústria primitiva!

Bom, e que fazer disto? De um lado, os sábios loucos a quererem que exista uma força de trabalho com formação suficiente para responder às exigências dos postos de trabalho de uma sociedade semelhante às desenvolvidas; do outro lado, um lúcido pragmático a dizer que o caminho é o de ir elevando a qualificação da força de trabalho a par-e-passo à medida que o País se for desenvolvendo, e vale o mesmo que dizer manter o modelo de custos laborais baixos e ir aguentando por aí as comparações de competitividade. Ah, Valente! - Até parece um nome propositado!

Mas tanto os sábios loucos como o Valente têm uma noção dos outros, que consideram não ser tão sapientes nem cultos como eles e os do seu calibre, a meu ver, assaz redutora. Tudo parece reduzir-se à perspectiva da mercadoria força de trabalho e da discussão sobre qual é a mais conveniente para o nosso País para cobrir as necessidades da sua Economia.

Eu até podia dizer-lhes: não se esqueçam que o nível educacional médio da força de trabalho no nosso País está a alterar-se por virtude da emigração que nos chega de Leste. E dum momento para o outro aí temos o nível educacional que satisfaz os sábios loucos e o baixo nível de preço de força de trabalho que parece satisfazer ambos os lados, estes e VPV. Mas, este assunto é talvez demasiado sério para continuar num tom que podia ser entendido como chacota. E não é com o labéu de malvindo mas sim de benvindo que pretendo saudar a vinda de tantos e tantos milhares de emigrantes, independentemente da sua origem e nível educacional.

O que eu realmente queria assinalar é, pelo contrário, que, para além de serem donos da mercadoria que é a sua força de trabalho, os indivíduos são pessoas, homens e mulheres, na sua integralidade, são cidadãos, são trabalhadores, são pais e filhos, são artistas, são desportistas, eu sei lá que mais. E é por serem indivíduos de uma espécie que inventou a cultura que necessitam de possuir uma educação à sua altura e não apenas como peças dos processos de produção. E, se forem as pessoas para a sua época, serão, por arrastamento, também a força de trabalho ambicionada, que, para além do conhecimento humanístico adequado deve possuir conhecimentos sólidos de matemática, biologia, química, física, literacia digital …

«Avante!» Nº 1472 - 14.Fevereiro.2002