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Crónica dos excluídos
A odisseia de Annegret Gutbub
e de seu filho Joringel

• José João Louro

Annegret Gutbub é uma alemã protagonista de uma luta que se reflectiu nos jornais, rádios e televisões. A luta para que o seu filho de 17 anos, Joringel Gutbub, preso preventivamente, pudesse voltar à escola enquanto a mãe se responsabilizaria por ele. A sua luta ajuda-nos a compreender as dificuldades de integração dos estrangeiros em Portugal mesmo os que, como Joringel, já nasceram aqui. Somos um país de emigrantes, mas não estamos preparados para compreender e integrar os estrangeiros que decidiram viver em Portugal.

Annegret Gutbub é uma alemã nascida na Floresta Negra, na cidade de Hermann Hesse, filha de um comunista alemão, que, nos finais dos anos 70, desgostosa com o evoluir da sociedade de consumo alemã, partiu à descoberta de um espaço para uma vida alternativa. Na bagagem trazia um romance manuscrito para adolescentes, que decidirá escrever à partir da sua experiência de juventude, e uma série de ideias utópicas do que seria uma vida alternativa. Depois de um passeio por Marrocos e Espanha, chega a Portugal onde a 25 de Abril de 1980 deu à luz dois gémeos: Fidel e Rebella. Aquele nascimento, no dia da revolução, pareceu a ela e ao companheiro um acontecimento simbólico. Decidiram fazer agricultura biológica e ficar por cá.

Passaram-se alguns anos. Annegret separa-se do seu primeiro companheiro e passa a viver com o pai de Joringel. Descontentes com o Algarve decidem deambular por Portugal, até encontrarem Catarredor na Serra de Lousã. Aí o ambiente da Serra, as casas de pedra de xisto abandonadas mas integradas na paisagem, o carácter romântico que lhe recordava Hermann Hesse, prenderam-nos irremediavelmente.

Rebella, Fidel e Joringel crescem em Catarredor rodeados de paisagem. São crianças livres, mas educados para serem responsáveis. Annegret está gravida outra vez: irá nascer Arnika, o primeiro bebé em dezenas de anos a nascer em Catarredor. A aldeia abandonada pelos portugueses parecia renascer com os alemães. Os pais faziam queijo, pastavam cabras, coziam pão e cultivavam hortícolas para vender. Beatrix, a irmã de Annegret, visita e decide também ficar. Em breve terá também crianças.

As crianças vão à escola mas vivem fundamentalmente na serra, no paraíso que para elas é Catarredor. Annegret com filhos de dois companheiros decide separar-se do pai de Joringel e Arnika, que regressa ao Algarve. Anos mais tarde, Joringel, que já estudava na escola secundária, decide ir viver com o pai. Annegret tentou demovê-lo mas Joringel evocou uma escola em melhores condições no Algarve para a decisão. O pai decidiu nessa altura pôr a casa e o seu terreno em nome do filho. Fidel, Rebella e Arnika mantiveram-se com a mãe que recebia visitas regulares de Joringel, cheio de saudades.

Annegret tem um novo companheiro. Dada a distância de Catarredor às escolas, a família responsavelmente, fugindo ao isolamento, vai construir uma nova casa na Lousã enquanto Beatrix mantém-se em Catarredor com os seus filhos. Rebella começa a estudar na Universidade em Coimbra, e traduz o livro da mãe. Fidel trabalha na recuperação de casas das aldeias vizinhas. Abrem um café na Serra: «Fantasia».

As duas irmãs com alguns amigos portugueses da Lousã decidem criar uma associação, a Dinamo Verde, com o objectivo de reabilitar a serra (plantar castanheiros e combater as acácias e o eucalipto) e recuperar os caminhos pedestres para fins eco-turísticos e as casas.

«Paraíso em lugar nenhum»

Christine Reeh lê uma reportagem sobre estas famílias no «Publico», e decide fazer um documentário sobre Annegret e Beatrix, como duas alemãs que há vários anos vivem em Portugal, para compreender as suas dificuldades de integração. No dia do lançamento da Dínamo Verde, numa colectividade local, enquanto Annegret lê um poema da sua autoria, em três línguas, ajudada pelas filhas, Rebella e Arnika, a casa que tanto tempo tinham levado à construir na Lousã, arde em poucas horas. Nada resta, senão ruínas. A casa não tem seguro e a PJ considera que é fogo posto. Christine Reeh filma o incêndio e integra-o no seu documentário «Paraíso em lugar nenhum» que vai estrear em 2 de Março no Cineteatro da Lousã. O filme aborda a mentalidade das duas irmãs, os seus debates e os caminhos diferentes que ambas buscam para si e para os seus filhos.

Entretanto Joringel é preso no Algarve com o pai. O pai manifestara-se pela legalização de canabis (o que não é uma atitude típica de um traficante, mais interessado em vender caro na clandestinidade do que na legalidade) e a polícia descobre, poucos dias depois, que ele tem uma plantação no quintal. O filho prejudicado pelas manifestações do pai é preso preventivamente desde então.

Annegret que travara a batalha pelo Dínamo Verde e pela reconstrução da casa incendiada, tem agora o filho preso numa cela com 15 criminosos de delito comum. Alarmada pede que o seu filho venha viver consigo assumindo a responsabilidade. Joringel tem 17 anos, está a estudar, noutros países europeus assim aconteceria. Os juízos decidem de outro modo. O Bastonário da Ordem dos Advogados pensa diferente. Os colegas da escola de Joringel protestam. Os professores consideram-no um aluno inteligente e sensível.

Annegret desesperada organiza uma manifestação no Terreio de Paço. Alguns amigos, alguns políticos, a deputada dos Verdes Isabel Castro que solicitara ao Ministro da Justiça informação sobre o assunto, e Annegret, Beatrix, Arnika e outros familiares.

As lutas de Beatrix e Annegret ganharam uma nova dimensão no seu aparente isolamento. O país quer saber o que se passa nas prisões, porque é que jovens internados se suicidam, porque é que se mantém adolescentes em prisão preventiva em contacto com criminosos experientes. O país quer saber o que se passa com os filhos dos estrangeiros nascidos em Portugal, e porque não há uma verdadeira política de integração social.

«Avante!» Nº 1472 - 14.Fevereiro.2002