Artigo anterior  Próximo artigo


Seminário internacional de Montevideu
O PCP e a política de alianças

• Albano Nunes (*)

A política de alianças do PCP é basicamente determinada pela sua natureza de classe - partido da classe operária e de todos os trabalhadores - e pelo seu Programa de uma Democracia Avançada (simultaneamente económica, social, política e cultural em que a independência nacional seja assegurada) que, incorporando os valores da revolução de Abril, se insere na perspectiva de construção em Portugal de uma sociedade socialista.

Não concebemos a nossa política de alianças em termos intemporais e abstractos mas situada no terreno concreto das forças sociais (de classe) em presença e da sua composição (sempre em movimento) e arrumação. E na actual situação portuguesa trata-se fundamentalmente, de um lado dos grandes grupos económicos ligados e subordinados ao capital estrangeiro, e de outro lado da classe operária - em processo de evolução e diversificação mas afirmando-se como força social determinante - e outras classes e camadas sociais antimonopolistas atingidas nos seus interesses pela política de centralização e concentração do capital e pelo domínio imperialista sobre Portugal.

A este respeito pode ler-se no Programa do PCP: «a concretização da democracia avançada proposta pelo PCP é objectivamente do interesse de todos os trabalhadores, dos pequenos e médios agricultores, dos intelectuais, dos quadros técnicos, dos pequenos e médios empresários do comércio, da indústria e dos serviços, dos artesãos e também dos reformados, dos deficientes, das mulheres e da juventude como forças sociais com situações, problemas, aspirações e objectivos específicos. Desta realidade e arrumação de forças decorre o sistema de alianças sociais, no qual são alianças básicas a aliança da classe operária com o campesinato (pequenos e médios agricultores) e a aliança da classe operária com os intelectuais e outras camadas intermédias.

O sistema de alianças político-partidárias abrange de forma diferenciada todos os movimentos, organizações e partidos democráticos que, nos seus objectivos e na sua prática, defendem os interesses e aspirações das classes e forças sociais participantes no sistema de alianças sociais.(...).

Do sistema de alianças decorre a política do PCP no sentido da unidade da classe operária e de todos os trabalhadores, da unidade ou convergência das classes e movimentos sociais antimonopolistas, da unidade ou convergência de acção das forças democráticas e patrióticas.»

A experiência do PCP

Algumas questões que nos parece oportuno sublinhar na experiência do PCP.

1. O papel da classe operária como força social determinante no processo de transformação progressista da sociedade. Papel que se evidenciou antes, durante e após a revolução libertadora do 25 de Abril, revolução que tornou então possível a liquidação do domínio dos monopólios e dos latifúndios e a orientação socialista da revolução portuguesa. Nem a restauração monopolista entretanto verificada, nem as transformações e modificações verificadas no tecido social e na composição da classe operária (em resultado do próprio processo contra-revolucionário e das profundas alterações no processo produtivo) põem em causa esta realidade. Outra questão é reconhecer que a privatização e desmantelamento de grandes empresas, a precarização das relações laborais e outros factores tornaram mais complexa a sua organização e mobilização e, como o XVI Congresso do PCP concluiu, mais exigente o trabalho de enraizamento do Partido nos trabalhadores.

2. A decisiva importância da unidade da classe operária que tem que ser vista como uma batalha permanente, tanto perante os factores de diferenciação e dispersão que contrariam a formação de uma consciência de classe, como (e sobretudo no momento actual) perante a influência corruptora da ideologia dominante e actuações divisionistas. Em Portugal essa unidade tem uma expressão particularmente importante no plano sindical. A criação (nos últimos anos da ditadura) e manutenção da CGTP/Intersindical com uma natureza de classe, características profundamente unitárias e uma linha de massas constitui um bem precioso que é necessário preservar e defender. Ao contrário do que pretendem aqueles que, em nome duma pseudo «independência» sindical caluniam a real influência do PCP nos sindicatos, tal influência tem sido simultaneamente expressão e garantia da natureza de classe do sindicalismo português. A teoria da «correia de transmissão» não faz qualquer sentido em Portugal. O facto da corrente liberal-reformista e colaboracionista ser claramente minoritária reveste-se de real importância num contexto europeu em que, como na orientação dominante na Confederação Europeia dos Sindicatos, se verifica um inquietante alinhamento com o grande capital, nomeadamente em matéria de «construção europeia», incluindo na vertente militar.

3. Consideramos a política de alianças em dois níveis fundamentais, inter-relacionados mas distintos: alianças sociais, com carácter relativamente estável para um dado período de desenvolvimento social, e alianças político-partidárias, mais instáveis e conjunturais. Temos também presente que por vezes se expressam convergências e alianças sob formas inesperadas e originais, sobretudo em períodos de agudização da luta de classes como sucedeu com a Aliança Povo-Movimento das Forças Armadas na revolução de 25 de Abril de 1974.

A experiência portuguesa confirma que, com frequência, a arrumação das forças sociais não tem correspondência na arrumação das forças político-partidárias. E um dos mais complexos problemas na luta em Portugal contra as políticas favoráveis ao grande capital de sucessivos governos (tanto de partidos de direita como do Partido Socialista) reside precisamente em que a vasta frente social antimonopolista em que se exprimem as mais diversas formas de intervenção do povo português não tem tido a necessária tradução no plano eleitoral e político. Com as suas políticas de direita e as suas alianças à direita, rendido como a maioria dos seus congéneres social-democratas ao neoliberalismo, o PS tem sistematicamente defraudado as expectativas da sua base popular e inviabilizado uma alternativa democrática, de esquerda. Quanto ao PCP, é bem patente a extraordinária dificuldade, na actual correlação de forças e ambiente ideológico, em ultrapassar a grande distância existente entre a sua reconhecida influência social e a sua expressão eleitoral, que actualmente se situa, para a Coligação Democrática Unitária, a coligação eleitoral em que participa o PCP, na ordem dos 9% para as legislativas e cerca de 12% para as autárquicas.

É conscientes de tais dificuldades que nos preparamos para a batalha das eleições legislativas antecipadas do próximo dia 17 de Março, sendo que o reforço do PCP (e dos seus aliados da CDU) é o elemento central da alternativa de esquerda por que lutamos.

4. A frente social que se opõe às políticas de direita em Portugal assenta numa muito diversificada rede de organizações, movimentos e estruturas de carácter unitário em que pela sua natureza e capacidade de mobilização, se destaca a central sindical representativa dos trabalhadores portugueses, CGTP – InterSindical, mas que se estende à expressão organizada de outras classes e camadas sociais antimonopolistas. São de mencionar pela grande importância que desempenham: o movimento dos agricultores no qual se destaca com papel central a Confederação Nacional de Agricultores; o movimento de juventude com a JCP, as associações estudantis e outras estruturas juvenis; o movimento dos intelectuais e quadros técnicos e científicos; o movimento das mulheres, nomeadamente com o Movimento Democrático das Mulheres; o movimento dos reformados; o movimento cooperativo e das colectividades culturais e recreativas; o movimento ecologista; o movimento anti-racista; o movimento pela paz e solidariedade. Tais movimentos, na sua diversidade, têm a sua dinâmica democrática própria. Não os vemos, porém, como simples "aliados" ou algo exterior à nossa própria acção. Pelo contrário. No quadro da sua democracia interna, os comunistas intervêm em todos eles, desde logo para assegurar a ligação do Partido com as massas e fortalecer o seu papel insubstituível na defesa dos interesses que representam, na luta pela alternativa e no processo de transformação social.

5. Seria errado pretender que organizações, movimentos e estruturas, sobretudo quando de natureza conjuntural e com objectivos limitados, sigam mecanicamente linhas e fronteiras de classe, aliás muitas vezes dificilmente delineáveis. Os chamados problemas "globais" e "transversais" ocupam com frequência o primeiro plano da actualidade. Mas seria mortal para um partido que se propõe a superação revolucionária do capitalismo, se as dificuldades na identificação, caracterização e arrumação das forças de classe, conjugadas com a pressão ideológica sobre o "fim da classe operária" e mesmo sobre o "fim do trabalho", levassem a menosprezar a teoria marxista-leninista da luta de classes, tanto à escala de um país, como em termos da realidade internacional.

Resistência e luta

O desenvolvimento do capitalismo na actualidade, aprofundando «velhas» e novas contradições, está a estreitar rapidamente a sua base de apoio, abrindo objectivamente espaço a alianças sociais e políticas muito amplas, cuja concretização em termos de acção de massas e plataforma alternativa, depende decisivamente da capacidade dos comunistas e revolucionários.

É verdade que neste caminho se levantam grandes dificuldades. A correlação de forças no plano internacional continua desfavoravelmente marcada pelas derrotas do socialismo, o desaparecimento de um poderoso factor de contenção da política exploradora e agressiva do capital, o enfraquecimento do movimento comunista e revolucionário e em geral do campo das forças progressistas. E a ofensiva exploradora e agressiva do imperialismo inerente ao processo de «globalização» não está ainda a encontrar a resposta necessária.

Não estamos porém perante o «fim da história» e o triunfo incontestado do capitalismo, bem pelo contrário. Apesar das dificuldades, por toda a parte, de Cuba a Timor-Leste, na América Latina como na Europa, em todos os continentes, prossegue a resistência e a luta dos trabalhadores e dos povos.

Cremos poder afirmar que a tentativa de impor a hegemonia e o domínio planetário do grande capital depara com uma resistência crescente da classe operária e dos trabalhadores em geral, mas também de outras classes e camadas sociais, adquirindo uma dimensão social e geográfica muito diversificada. A maior parte situa-se naturalmente no plano nacional, e tem mesmo uma dimensão simplesmente sectorial. Mas o seu conteúdo e significado é mais amplo. Ao mesmo tempo, o avanço dos processos de internacionalização, de integração e cooperação, a própria «globalização» imperialista, tendem a aproximar e a estabelecer um nexo objectivo de interdependência cada vez mais estreito entre as lutas dos trabalhadores e dos povos a nível regional, continental e mundial. Os chamados movimentos «antiglobalização», poderosas acções de massas como em Génova ou amplos fórum como em Porto Alegre, envolvendo organizações e forças muito diversificadas na sua natureza e objectivos, são expressão do estreitamento da base de apoio do capitalismo na sua forma actual com a entrada na luta de novos sectores e camadas sociais (juventude, intelectuais, camadas intermédias, etc.) atingidas pelo rolo compressor do neoliberalismo.

Como se assinala na Resolução Política do XVI Congresso do PCP «é dever dos comunistas e de todos os revolucionários actuar no sentido de ampliar a dimensão internacional e internacionalista da sua intervenção e procurar os problemas, reivindicações e objectivos gerais comuns, susceptíveis de fazer confluir numa ampla frente anti-imperialista sectores sociais e políticos muito diversificados que lutam pela democracia, a independência nacional, a paz, a preservação do meio ambiente, o progresso social e o socialismo». A acção comum ou convergente em torno de problemas concretos amplamente mobilizadores – por exemplo, contra o desemprego e pela redução do horário de trabalho, contra a guerra de agressão no Afeganistão ou pela dissolução da NATO, pela anulação da Dívida Externa aos países do Terceiro Mundo, ou outros - é da maior importância para fazer aumentar a consciência da importância decisiva da solidariedade internacionalista. A convergência das forças progressistas em torno de objectivos limitados e por reformas concretizáveis nos marcos do sistema, em caso algum deve ser subestimada. Os comunistas portugueses não rejeitam compromissos, mesmo que limitados e transitórios para defender os interesses dos trabalhadores e do povo. Simultaneamente consideramos absolutamente necessário, sob pena de poder resvalar para um imediatismo possibilitista inconsequente, não perder de vista a exigência de profundas transformações económicas e sociais de natureza antimonopolista e a perspectiva da necessária superação revolucionária do capitalismo.

A «família» social-democrata

Uma questão nos parece merecer exame: o que é realmente hoje e para onde caminha a social-democracia? A experiência mostra que partidos socialistas e social-democratas quando envolvidos pela acção das massas, podem ser conduzidos a alianças e políticas positivas para as camadas populares. A verdade porém é que, globalmente considerada, a social-democracia está gravemente comprometida com o capital. A ofensiva neoliberal e as guerras nos Bálcãs ou no Afeganistão não teriam sido possíveis sem o seu concurso. É significativo que seja precisamente quando a maioria dos países da União Europeia tem governos dirigidos por esta «família» política, que a integração europeia assume ainda mais nítido carácter de classe e as características de bloco político-militar hegemonizado pelos países mais poderosos, numa configuração que, a nosso ver, nada tem de exemplar para a América Latina e para a luta contra o ALCA e a recolonização do continente pelos EUA. Por isso nos parece que deve merecer particular cuidado a extensão do conceito de «esquerda» a concretos partidos que praticam sistematicamente políticas de direita, como tem sido o caso do PS português.

O capitalismo, revelando embora surpreendente capacidade de resistência e adaptação, é incapaz de ultrapassar as suas contradições, de evitar devastadoras crises de sobreprodução como a que hoje atinge simultaneamente os três grandes centros do imperialismo ou a que devasta a Argentina, de resolver os dramáticos problemas que percorrem o mundo contemporâneo. Dez anos após a desagregação da URSS e a avassaladora campanha sobre a «morte do comunismo», é patente o fracasso e condenação cada vez mais generalizada do neoliberalismo, da «globalização», do capitalismo. Cresce a exigência de profundas transformações de natureza antimonopolista e anti-imperialista. O socialismo, num projecto necessariamente renovado pelas lições da experiência, recupera força como alternativa necessária ao capitalismo e condição indispensável à utilização de extraordinárias conquistas da ciência e da técnica, hoje submetidas à lógica do lucro, em benefício de toda a humanidade.

Reforçar a unidade
e a solidariedade

Este Seminário tem lugar numa situação de crise internacional particularmente inquietante, que encerra perigos enormes para os trabalhadores e os povos, para todas as forças de esquerda e do progresso social.

Sob o pretexto do combate ao terrorismo, está em marcha uma violenta ofensiva do imperialismo visando a desestabilização das relações internacionais, o desmantelamento da ordem jurídica e institucional basicamente antifascista saída da 2ª Guerra Mundial, a imposição de uma «nova ordem» hegemonizada pelos EUA contra os trabalhadores e contra os povos.

O PCP tem de há muito uma clara e firme posição de princípio em relação ao terrorismo e condenou firmemente os atentados de 11 de Setembro. Simultaneamente condenou a guerra de agressão contra o povo do Afeganistão que claramente se insere nos propósitos norte-americanos de domínio planetário. O PCP intervém para mobilizar o povo português contra a guerra e o intervencionismo agressivo e desmascarar a campanha de intoxicação ideológica visando a banalização da guerra e da agressão, da utilização das armas mais criminosas incluindo a nuclear, do recurso à tortura e à prisão arbitrária, da repressão violenta das lutas populares e revolucionárias. Lutamos contra a corrida aos armamentos, o reforço da NATO, o inquietante processo de militarização da União Europeia, o renascimento assumido do militarismo alemão. Alertamos para o insidioso ataque aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que está em desenvolvimento por todo o lado, incluindo na U.E., orientada para a criminalização da luta política e social e, como vimos em Génova, das acções «antiglobalização». Denunciamos as tentativas de amalgamar e confundir o terrorismo com a justa e necessária resistência à exploração, opressão e agressão, como na Colômbia ou na Palestina onde o terrorismo de Estado israelita apoiado pelos EUA pratica diariamente crimes sem nome contra o povo palestiniano.

A nosso ver uma constatação se impõe: perante a crise em que se debate, o brutal agravamento das injustiças e desigualdades, a inevitável perspectiva de violentas explosões de protesto social e revolucionário, o imperialismo escolheu uma resposta de força que encerra grandes perigos e que exige o reforço da unidade e da solidariedade anti-imperialista.

Estamos convencidos que este Seminário é uma contribuição muito valiosa para um tal objectivo. A reflexão e a cooperação dos comunistas não se contrapõe, antes é indispensável para uma mais larga cooperação de forças da esquerda, democráticas e progressistas, para convergências e alianças, ainda que pontuais e limitadas, de resistência ao capital e em defesa da democracia e pela paz.


*)  Intervenção de Albano Nunes, membro do Secretariado do CC, em representação do PCP, no Seminário Internacional «Os Comunistas reflectem e debatem sobre política de alianças no novo século», realizado na capital do Uruguai de 27 a 29 de Janeiro p.p.. A situação na Colômbia e na Venezuela não permitiu a presença dos secretários-gerais dos respectivos partidos comunistas nesta iniciativa.

«Avante!» Nº 1472 - 14.Fevereiro.2002