Educação e Formação
Convulsão Silenciosa
Rui Namorado Rosa
Após o Tratado de Maastricht, a educação entrou na agenda política da União Europeia, depois confirmada e aprofundada no Conselho Europeu de Nice (Dezembro de 2000), designadamente nos artigos 149 e 150 do Tratado.
O Conselho Europeu de Lisboa (Março de 2000) propusera ao Conselho da Educação «proceder a uma reflexão geral sobre os objectivos futuros concretos dos sistemas educativos, que incida nas preocupações e prioridades comuns e simultaneamente respeite a diversidade nacional...» Esta proposta foi retomada pelo Conselho da Educação e trabalhada pela Comissão das Comunidades Europeias, sendo entendida como abrangendo também os sistemas de formação e também extensivo aos países em vias de adesão à União Europeia, resultando no relatório COM(2001)59 final, aprovado no Conselho Europeu de Estocolmo (Março de 2001) já sob a designação «Os Objectivos Futuros Concretos dos Sistemas de Educação e Formação», propondo cinco objectivos concretos a serem prosseguidos no horizonte de dez anos.
Agora sob a presidência espanhola, está em elaboração um «programa detalhado para acompanhamento da implementação dos objectivos dos sistemas de educação e formação», que procurará identificar as questões chave, enumerar e calendarizar as acções de acompanhamento, as metas a atingir e os indicadores qualitativos e quantitativos a aplicar, na prossecução dos seus objectivos. Esse programa foi agora apreciado no Conselho da Educação em Janeiro de 2002 será levado ao Conselho Europeu de Barcelona (Março de 2002).
A propósito deste processo deve recordar-se que, na sequência da conferência de Ministros da União Europeia e dos países candidatos (Praga, Junho de 1998), mas já em Maio de 2000, a Comissão das Comunidades Europeias elaborou um «relatório europeu sobre a qualidade do ensino básico e secundário», baseado em indicadores de qualidade. Também em Setembro de 1998 o Conselho (Educação) adoptara uma recomendação relativa à cooperação em matéria de garantia de qualidade do ensino superior; e posteriormente, em Novembro de 2000, adoptou uma outra recomendação semelhante no relativa ao ensino básico e secundário. Os sistemas de garantia de qualidade como factor essencial para a eficácia dos sistemas de educação e formação são referidos com insistência e a progressivo nível de decisão política. Por outro lado, a comunicação da Comissão COM(2000)594 final (Setembro de 2000) estabelece indicadores estruturais, designadamente nos domínios da educação e da formação.
No que respeita ao ensino superior, a Declaração da Sorbonne (25 Maio de 1998), reformulada pela Declaração de Bolonha (19 Junho 1999) e consagrada na Declaração de Praga (18 Maio 2001), são momentos sucessivos dum percurso em marcha para a construção do «Espaço Europeu do Ensino Superior», cujos objectivos e prazos estão fixados, devendo a sua implementação ser apreciada em Berlim (2.º semestre de 2003).
Os protagonistas do processo
A par do Conselho de Ministros da Educação, acompanhado activamente pela Comissão das Comunidades Europeias, a Associação das Universidades Europeias (EUA) e a Associação das Uniões Nacionais de Estudantes na Europa (ESIB) constituíram-se rapidamente nos principais protagonistas deste processo. Os sindicatos de professores e as associações científicas e profissionais tem tido intervenção mais discreta, exceptuando as associações profissionais que representam profissões regulamentadas, em domínios como Engenharia e Ciências da Saúde.
A par desta movimentação, independente dela mas com ela relacionada, regista-se uma evolução análoga para o «Espaço Europeu da Investigação», objecto das comunicações da Comissão COM(2000)6 final (Janeiro de 2000) e COM(2000)612 final (Outubro de 2000), particularmente dirigidas para os jovens, a formação científica e as carreiras científicas. O conceito de Espaço Europeu de Investigação surge explicita e plenamente enunciado na «Proposta de Programa-Quadro plurianual 2002-2006 da Comunidade Europeia de Acções em matéria de Investigação, Desenvolvimento Tecnológico e Demonstração» (Doc. COM.2001.94 final) aprovado pelo Conselho de Ministros e o Parlamento Europeu. Neste âmbito, a intervenção não governamental é muito escassa, não obstante as posições institucionais assumidas pela Associação das Universidades Europeias, pelas Academias Europeias de Ciências (ALLEA) e a pela Fundação Europeia para a Ciência (ESF).
Mercantilização dos saberes
De âmbito mais alargado é a «Aprendizagem ao Longo da Vida», objecto de um memorando da Comissão, SEC(2000)1832, presente ao Conselho da Educação (Novembro de 2000) e agora objecto da comunicação da Comissão, COM(2001) 678 final, (Novembro 2001). A «aprendizagem ao longo da vida» é o conceito chave adoptado para lidar, no quadro da agora designada «sociedade do conhecimento», com um universo de questões socio-económicas em continua transformação.
Mas é patente o relativo alheamento dos «parceiros sociais» sindicatos, sociedades científicas, associações profissionais, outras organizações não governamentais face a estes processos, conduzidos em gabinete e nas instâncias de decisão política. O ritmo a que são conduzidos e a diversidade de frentes abrangidas tornam pouco compreensível o sentido geral da sua evolução, o que dificulta ou obsta a intervenção.
Podemos aperceber-nos que este complexo de processos procura, por várias vias e em ritmo acelerado, moldar a formação da força de trabalho e a sua relação no seio do sistema económico europeu, na competição entre pólos de acumulação capitalista, no quadro actual da globalização. No entretanto, a Organização Mundial do Comércio reflecte os interesses que procurarão integrar no âmbito de serviços transaccionáveis todo o tipo de formação e até a própria educação. Por um lado temos a mercantilização dos saberes. Pelo outro uma nova forma de exercício de domínio ideológico sobre os trabalhadores.
A realidade portuguesa
Segundo a Eurostat, na União Europeia existem actualmente 112 milhões de trabalhadores, dos quais 74 milhões em PME; e destes, 38 milhões em empresas com menos de 10 trabalhadores. A pulverização da força de trabalho é enorme e prossegue. O próximo alargamento da União Europeia a novos países é uma opção política e económica, no interesse do «centro» da União, que automaticamente «importará» força de trabalho com elevada qualificação.
A realidade portuguesa é frágil neste quadro. O nível médio de qualificação da população portuguesa é dos mais baixos da Europa; a nossa força de trabalho é particularmente débil em ciências e engenharias. Devemos questionar-nos: Que educação e formação vamos oferecer a jovens e adultos, a trabalhadores estudantes e profissionais activos, e a desempregados? Que meios de aprendizagem e ensinos vamos oferecer e encorajar nas nossas Escolas? Com um sector empresarial público quase totalmente dizimado, um sector empresarial privado quase todo gerido por capital internacional, que trabalho vão ter os portugueses?
Pesada é a responsabilidade de toda a sociedade - e dos seus órgãos
políticos em particular no dever de debater - na base da cidadania
- e para decidir - no exercício de um poder democrático esclarecido
e actuante - não só no plano político nacional mas activamente
também no plano internacional.
«Avante!» Nº 1472 - 14.Fevereiro.2002