Governo quer reduzir
as futuras pensões
Eugénio Rosa
Actualmente as pensões da esmagadora maioria dos reformados já são muito baixas. Por exemplo, no Regime Geral, a pensão média dos reformados de invalidez é de apenas 49 contos, sendo a pensão média dos reformados por velhice de 56 contos. Portanto, valores extremamente baixos e insuficientes para se poder usufruir uma vida com um mínimo de dignidade. O número daqueles que recebem uma pensão mensal superior a 100 contos era, no fim do ano 2000, apenas 7% do número total de reformados, portanto também um total extremamente baixo.
Em número, os reformados no subregime de invalidez rondam actualmente os 310 000, e no da velhice 1 140 000, ou seja, um total de 1 450 000 reformados no Regime Geral com uma pensão média que deverá rondar apenas 54 000$00 por mês (inclui invalidez e velhice).
É esta a situação actual dos reformados do Regime Geral no nosso País, e as pensões medias dos reformados dos outros regimes (por ex., RESSA, RNCE) ainda são mais baixas.
E é precisamente aos futuros reformados do Regime Geral, regime este que abrange a quase totalidade dos trabalhadores do nosso País, incluindo os que entraram para a função pública depois de 1993, cuja pensão média é já extremamente baixa, que o Governo pretende aplicar um novo sistema de cálculo de pensão que se for para a frente, sem alterações, determinará uma baixa importante nos valores das pensões que os futuros reformados deste regime receberão.
O novo sistema
de cálculo das pensões
Como se sabe, a pensão actual do Regime Geral é calculada da seguinte forma:- actualizam-se com base no Índice de Preços no Consumidor os salários dos últimos 15 anos anteriores à data da reforma, depois escolhem-se os dez melhores, e seguidamente calcula-se a média aritmética dos 10 escolhidos (somam-se e divide-se por 10). Finalmente multiplica-se o valor assim obtido que se chama salário de referência pelo número de anos que o trabalhador «descontou» para a Segurança Social vezes 2%, e desta forma obtém-se o valor da pensão a pagar ao trabalhador que se reforma.
O Governo pretende alterar profundamente esta forma de cálculo da pensão. No lugar de considerar apenas os 10 melhores salários dos últimos 15 anos antes da reforma o governo pretende utilizar os salários de toda a carreira contributiva do trabalhador, ou seja, todos os salários desde que ele começou a descontar para a Segurança Social. Como os salários no início da profissão de cada trabalhador são normalmente muito baixos, e isso sucede durante muitos anos para a maioria esmagadora dos trabalhadores, a utilização imediata (portanto, sem ser de uma forma muito gradual) para cálculo da pensão de reforma de todos os salários usufruídos pelo trabalhador durante toda a sua vida determinaria, para a esmagadora maioria dos futuros reformados, uma quebra muito significativa na pensão que receberiam se se comparar esse valor com o que teriam direito se a pensão fosse calculada com base no sistema actual.
Menos 2 000 milhões de contos
em apenas 12 anos
Cálculos feitos com base nas carreiras contributivas de mais de um milhar de reformados levou à conclusão que a utilização de toda a carreira contributiva determinaria uma diminuição na pensão que estavam a receber superior a 20%, ou seja, se no lugar de utilizar os 10 melhores salários dos últimos 15 anos se utilizasse todos os salários auferidos por aqueles reformados durante toda a sua vida activa, o valor da pensão que receberiam seria inferior em mais de 20% ao valor da pensão que estavam a receber, que foi calculada com base no sistema actual.
Perante as graves consequências sociais da aplicação imediata da nova formula de cálculo da pensão tendo como base toda a carreira contributiva, o Governo procurou reduzir o impacto negativo a curto prazo, ou pelo menos criar a ilusão disso, com o objectivo também de desmobilizar uma eventual reacção dos trabalhadores, o Governo apresentou taxas de formação superiores às do sistema actual.
Com esse propósito o Governo apresentou a seguinte proposta: - O novo sistema de cálculo não se aplicaria aos trabalhadores que se reformassem até 2016, e, em relação aos que se reformarem depois daquele ano, a taxa actual de formação da pensão, que é de 2%, subiria para 2,2% para a parte do salário de referência até a um salário mínimo nacional; para 2,1 % para a parte do salário de referência compreendido entre um salário mínimo e 4 salários mínimos nacionais; para a parcela superior a este último valor, a taxa seria 2%, ou seja, igual à taxa actual.
No entanto, o que não pode ser esquecido por cada trabalhador é que estas taxas mais elevadas aplicar-se-iam a um salário de referência, que serve para calcular a pensão, muito mais baixo do que aquele que se obtém utilizando o sistema actual de cálculo da pensão, o que determinaria que o valor de pensão que receberia a esmagadora maioria dos futuros reformados seria significativamente inferior àquele que receberiam se se aplicasse o sistema actual.
A confirmação deste facto foi feita pelo próprio gabinete do ministro do Trabalho e Solidariedade ao Diário Económico que informou que a aplicação da proposta do Governo determinaria que, mesmo sem a utilização dos dinheiros do Fundo de Estabilização da Segurança Social, esta não apresentaria qualquer défice durante mais 12 anos relativamente à data que inicialmente estava prevista. Utilizando as previsões da Comissão do Livro Branco da Segurança Social, portanto de uma comissão oficial, calcula-se rapidamente que tal facto determinaria uma diminuição de despesas, só em 12 anos, através do pagamento de pensões inferiores às que se teriam de pagar aos futuros reformados se se utilizasse o sistema actual de cálculo das pensões, em cerca de 2 000 milhões de contos a preços de 1997, o que representa mais de 2 200 milhões de contos a preços actuais.
É necessário introduzir
uma clausula de segurança
Em reunião recente o secretário de Estado da Segurança Social confessou que a aplicação da proposta do governo determinaria reduções de despesas ainda mais significativas do que as referidas na citada notícia, à custa do pagamento de pensões mais reduzidas aos futuros reformados do que aquelas que receberiam se fosse aplicado o sistema actual de cálculo da pensão. Disse mesmo que não seriam os 12 anos referidos mas mais do dobro. Utilizando sempre as previsões oficiais da Comissão do Livro Branco da Segurança Social, e admitindo, por hipótese, que aquele período não seriam de 12 anos mas sim 20, o valor não recebido pelos reformados atingiria, só durante os 20 anos (e muitos pensionistas continuariam a viver para além desse período e a receber uma reforma mais baixa); mas repetindo, a perda para os futuros reformados subiria já para cerca de 8 000 milhões de contos. Em resumo, são valores impressionantes cuja perda iria afectar profundamente, pela negativa, a vida de centenas de milhares de futuros reformados.
Em todo este processo uma coisa fica clara:- Os dados que se possuem, a amostras que são utilizadas quer pelo Governo quer por outras entidades não são cientificamente representativas, por isso não dão uma dimensão clara da perda para os futuros reformados. A aplicação de qualquer sistema que altere o sistema actual será sempre um cheque em branco cujas consequências efectivas só serão avaliadas no futuro, ou seja, quando o mal for praticamente irreparável. A recusa do Governo em fornecer a amostra que utiliza no seu estudo, assim como o método de análise que usa, e as conclusões que torna público apenas verbalmente, só pode ser entendido que o Governo não tem confiança na consistência dos números que utiliza ou apresenta.
Mas o que está em jogo é demasiadamente importante para estar sujeito a tais tipos de cálculos que não são feitos em bases que sejam suficientemente representativas dos futuros reformados, já que o que está em jogo é o direito a uma vida com um mínimo de dignidade quando as pessoas já não tem nem forças para obter o seu sustento através do trabalho.
Uma forma de resolver esta grave questão seria introduzir uma cláusula de segurança que poderia ser a seguinte:- A pensão de reforma a pagar com base no novo sistema de cálculo nunca poderia ser inferior, por exemplo, a 95% da pensão que obteria se se aplicasse o sistema actual de cálculo da pensão. É evidente que seriam excluídos desta cláusula de segurança os que manipulassem a carreira contributiva nos últimos 15 anos fazendo subir de uma forma anormal os salários recebidos neste período (por exemplo, só seriam considerados para efeitos de cálculo da reforma os aumentos salariais resultantes de promoções ou de novas funções, ou que não ultrapassasse o aumento médio percentual atribuído a todos os trabalhadores da empresa). O mesmo em relação à taxa de substituição, pois 80% sobre um salário de referência de 150 contos são 120 contos, e mesmo 88% sobre um salário de referência de 112 contos são apenas 99 contos. As ilusões pagam-se caro também neste campo.
O desafio que fazemos é o seguinte:- Estaria o Governo disponível para aceitar uma cláusula de segurança deste tipo? Se não estiver, fica claro que a redução que pretende impor nas futuras pensões através da introdução do novo sistema de cálculo de pensão dos trabalhadores que se reformem depois de 2016 é consideravelmente superior a 5% em relação à pensão que receberiam se fosse utilizado o sistema actual; ou então que o Governo não tem confiança nos números que utiliza, nos cálculos que realiza, e nas conclusões a que chegam, o que é também extremamente grave.
Em tudo isto o que fica também muito claro, é a necessidade urgente de todos os trabalhadores compreenderem o que está em jogo, e de se empenharem directamente na defesa do direito a uma vida minimamente digna nos anos finais quando já não têm forças para procurar outra forma alternativa de rendimento.
«Avante!» Nº 1458 - 8.Novembro.2001