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No 84.º aniversário
da Revolução de Outubro

• Maria da Piedade Morgadinho

«Quando a humanidade libertada
comemorar as datas da sua libertação,
há de comemorar, com o maior vigor,
com o maior entusiasmo,
o 25 de Outubro de 1917,
o dia em que nasceu o Estado dos Sovietes.»

Henri Barbusse, escritor francês


Estas palavras, apesar de escritas há tantos anos e em condições históricas diferentes das que presentemente vivemos, não perderam a sua actualidade. Embora sem estar libertada, a humanidade tem razões de sobra para comemorar o dia em que nasceu o Estado dos Sovietes.

Há acontecimentos impressos com tal força na memória de cada um de nós que o passar dos anos não consegue apagar. Um dos acontecimentos que até hoje guardo vivo comigo foi o 40.º aniversário da Revolução de Outubro.

Estávamos em 1957. Cheguei a Moscovo pela primeira vez a 4 de Novembro desse ano. O país estava em festa. No espaço, girando à volta da Terra, o primeiro satélite artificial, o Sputnik, com o seu alegre bip-bip, deixava todo o mundo extasiado perante os avanços científicos e técnicos do primeiro país socialista.

Enquanto isso, no nosso país com fascismo, um tristemente célebre professor do Instituto Superior Técnico demonstrava a giz no quadro preto, recorrendo a fórmulas e equações complicadas, raízes quadradas e muitíssimas incógnitas, que tal não era possível e, portanto... tudo não passava de uma mentira dos russos!

Em 1957 haviam decorrido apenas doze anos sobre o final da Segunda Guerra Mundial e a derrota da Alemanha nazi. As tropas hitlerianas haviam chegado às portas de Moscovo e os sinais da sua passagem eram ainda visíveis em muros e paredes de muitos edifícios da periferia da cidade.

Durante a guerra, os invasores nazis destruíram e arrasaram na URSS, completa ou parcialmente, 1710 cidades e vilas, mais de 70 mil aldeias; destruíram mais de 6 milhões de edifícios; deixaram sem tecto cerca de 25 milhões de pessoas; destruíram 31 350 empresas industriais onde trabalhavam 4 milhões de operários; destruíram as fábricas metalúrgicas que antes da guerra produziam cerca de 60 por cento do aço do país, e as minas que produziam mais de 60 por cento da hulha; destruíram 65 000 quilómetros de vias férreas e 4100 estações ferroviárias; devastaram e saquearam 98 mil kolkhozes e sovkhozes.


Memória curta

Por vezes a memória dos homens é curta e esquece-se, por exemplo, que ainda em l989 cabia à URSS 1/5 da produção industrial mundial, ocupando o primeiro lugar do mundo pela produção de mais de 30 tipos importantes de artigos industriais, desde petróleo até tractores e adubos minerais.

Nesse mesmo ano, a URSS caminhava à cabeça na construção de foguetões e técnica nuclear, plataformas orbitais, transformação directa de energia, construção das maiores centrais hidroeléctricas, sistemas de irrigação... Na esfera das ciências passava-se o mesmo em relação à matemática, física nuclear, física do plasma, bioquímica, biologia, muitos ramos da química, geologia, oceanografia, astronomia, etc.

Esquece-se frequentemente que foi soviético o primeiro satélite artificial da Terra, como foi soviético o primeiro homem a ir ao cosmos e soviética a primeira mulher cosmonauta do mundo. Foi soviético o primeiro cosmonauta que caminhou no espaço. Foram engenhos espaciais soviéticos os primeiros a atingir a Lua e a transmitir para a Terra fotografias da sua superfície. Foram soviéticos os foguetões que pela primeira vez colocaram na Lua um laboratório científico, assim como foram soviéticas as primeiras estações automáticas interplanetárias.

Esquece-se que a URSS foi o primeiro país do mundo a pôr em prática o direito ao trabalho, a acabar com o desemprego, a instituir o horário de trabalho de 8 horas, os seguros sociais a nível do Estado, as férias pagas, a igualdade dos homens e das mulheres de todas as nacionalidades e etnias, a assistência médica e a instrução gratuitas. Direitos tão naturais e legítimos hoje em dia e de que usufruem milhões de trabalhadores em numerosos países, incluindo o nosso, foram alcançados pela primeira vez na Rússia com a Revolução de Outubro de 1917.

É preciso não esquecer também as condições em que a Rússia partiu quando se lançou à construção do socialismo.

A Primeira Guerra Mundial, o bloqueio económico imposto pelos países capitalistas à República Soviética, a guerra civil, a intervenção estrangeira haviam deixado atrás de si um país mergulhado na maior miséria.

Só é possível avaliar hoje, com inteira objectividade, tudo o que foi alcançado na URSS, tudo o que foram as grandes conquistas do socialismo num prazo histórico tão curto, se tivermos em conta todos estes factores.


O maior acontecimento
do século XX

Ocorrida nos alvores do século XX, a Revolução de Outubro foi indiscutivelmente o acontecimento maior do século passado, o que mais marcou e influenciou a sua história, Outubro, desde logo, exerceu uma profunda influência no movimento operário e revolucionário mundial, noa acontecimentos que a partir daí se desenrolaram em todos os continentes, fez da Rússia o centro do processo revolucionário mundial e abriu a muitos povos do mundo o caminho do socialismo e da libertação do jugo colonial.

Os ecos da Revolução de Outubro fizeram-se ouvir por toda a parte e a sua influência estender-se-ia a muitos países da Europa, da Ásia, da América.

A seguir à Revolução de Outubro eclodiram revoluções e movimentos revolucionários na Alemanha, Hungria, Áustria, Polónia, Checoslováquia, Roménia, Bulgária. Surgiram movimentos grevistas de grande envergadura, alguns de carácter insurreccional, na Itália, França, Grã-Bretanha, Irlanda, Holanda, Suíça, Luxemburgo, Espanha, Dinamarca, Suécia, Noruega, Estados Unidos, Japão, Chile, Cuba, Brasil, Índia, China, Turquia, África do Sul e também em Portugal.

Na história da humanidade nenhuma outra revolução teve tais efeitos sobre países e povos. Os sonhos milenários de sucessivas gerações de explorados e oprimidos em todos os recantos do mundo encontravam, por fim, a sua concretização na velha Rússia dos czares.

É russa, mas todos a compreendem!

Esta legenda, de uma tarjeta de comunistas suíços, com um desenho de um pintor da época, e que há anos podíamos ver numa vitrina de uma das salas do Museu da Revolução, em Moscovo, explica em poucas palavras a adesão que então conquistou por toda a parte o Outubro Vermelho de 1917.

E foi essa compreensão imediata e profunda do alcance dos objectivos e do carácter humanista da primeira revolução socialista, que levou ao desenvolvimento em todo o mundo de uma imensa onda de solidariedade em defesa da Rússia dos Sovietes quando esta cedo se tornou o alvo dos ataques e da ofensiva armada dos países imperialistas. Onda de solidariedade a que não ficou alheia a classe operária portuguesa.

O resultado político principal do ascenso revolucionário mundial que se seguiu à Revolução de Outubro foi, sem dúvida, a consolidação da situação na Rússia Soviética, a criação, pouco tempo depois, da URSS, o fortalecimento da corrente revolucionária no seio do movimento operário mundial com a formação dos partidos comunistas.

Pela primeira vez foi provado na prática a importância e o papel de um partido proletário, de um partido autenticamente revolucionário, de um partido marxista-leninista.

À sua influência se ficou a dever também a criação, em 1921, do Partido Comunista Português e, nesse mesmo ano, a criação de partidos comunistas na Itália, Alemanha, Espanha, Bélgica, Suíçla, Luxemburgo, Suécia, Irlanda, Checoslováquia, Roménia, Nova Zelândia, Mongólia, China, Uruguai, África do Sul. A estes se juntariam os que surgiram antes e depois de 1921.

A Rússia pós-revolução constituiu um autêntico laboratório onde tiveram lugar as mais profundas experiências e transformações sociais, económicas, políticas, culturais a que o mundo inteiro assistiu.

Mayakovski, o poeta da Revolução, escreveu para o 10.º aniversário de Outubro um longo poema onde conta a história da Revolução desde o assalto ao Palácio de Inverno ao trabalho duro e exaltante da construção dos alicerces do socialismo. Diz o poeta, em dado momento:


A nossa República
constrói-se,
          avança.
Os outros
          países
                    têm cem anos

O meu país
          não é mais
                    que um adolescente –
criado,
          inventa e
                    experimenta!


Lénine e a Revolução

Não é possível evocar Outubro sem evocar Lénine, o teórico, organizador e dirigente da Revolução.

Graças à sua análise da experiência do movimento revolucionário mundial, graças aos seus estudos das condições em que vivia e lutava o povo russo, graças, também, ao seu estudo dos progressos científicos dos princípios do século XX, Lénine desenvolveu e enriqueceu a herança teórica de Marx e Engels em novas condições históricas.

Fez a caracterização da nova fase do capitalismo – o imperialismo – e elaborou a teoria sobre o partido revolucionário do proletariado, a teoria da revolução social, a teoria sobre o Estado. Lutou em defesa do marxismo contra as correntes revisionistas e oportunistas no movimento operário. Travou uma luta implacável contra os adversários do marxismo e contra os seus falsificadores, contra todos os que pretendiam rever, «modernizar», «renovar» o marxismo e que, no fundo, o que proclamavam era a sua adaptação a outra ideologia, esvaziando-o do seu conteúdo revolucionário de classe.

E porque não foi um teórico de gabinete, Lénine, desenvolveu o marxismo no fogo das batalhas do proletariado e viu na teoria um guia para a acção. Organizou e dirigiu as forças revolucionárias que levaram a cabo a primeira revolução socialista da história.

A partir desse acontecimento de repercussões internacionais, o marxismo-leninismo inspirou e apetrechou as forças revolucionárias de todos os continentes que levaram a cabo transformações sociais e políticas de significado histórico mundial.

E hoje, o marxismo-leninismo, enriquecido com novas conclusões teóricas, com a análise da evolução social mundial e a experiência da luta dos povos, continua a ser, como reafirmou o XVI Congresso do PCP, a sua base teórica e um dos traços fundamentais da sua identidade política e ideológica, da sua identidade de classe.

Durante cerca de 80 anos, a URSS constituiu uma referência para os lutadores de todo o mundo. Pelos seus êxitos nos planos económico, social, cultural científico, pelo, papel histórico na Segunda Guerra Mundial, ao derrotar o fascismo hitleriano e na contenção do imperialismo e das suas ofensivas agressivas.

O socialismo, como sistema mundial, teria sido impossível sem a URSS.

«Se a União Soviética não existisse», disse Fidel Castro em 1976, discursando em Moscovo, «seria mesmo impossível imaginar o grau de independência que têm hoje estados pequenos, a luta dos povos pela recuperação do controlo sobre os seus recursos naturais, a sua voz que ressoa hoje em dia no concerto das nações.»

Lamentavelmente vemos hoje que, depois da destruição da URSS e da liquidação do socialismo como sistema mundial, depois da dissolução do Pacto de Varsóvia e com a reorganização e reforço da NATO, com a agressividade da ofensiva das políticas neoliberais dos países capitalistas mais poderosos, com a globalização política e económica, praticamente todo o globo terrestre, com poucas excepções, sofre o domínio do imperialismo norte-americano e das potências capitalistas mais fortes.


Inabalável confiança

O século passado, que assistiu a tantas e gigantescas realizações do socialismo, assistiu, além da liquidação do socialismo na URSS e nos países do Leste da Europa e à restauração, aí, do capitalismo, ao desaparecimento de muitos partidos comunistas e à degenerescência de outros no seio dos quais ocorreram tão profundas mutações políticas e ideológicas que lançaram a desorientação e a descrença entre os seus militantes e conduziram à perda do seu prestígio e influência.

Não pretendemos apagar o passado, esquecer ou ocultar erros graves, deformações, desvios, perversões que acompanharam também a construção do socialismo, comprometeram o seu futuro, contribuíram para a sua destruição e fizeram regredir o movimento revolucionário mundial. Mas isso não nos pode levar a deixar que caia no esquecimento o que foi a maior e mais exaltante epopeia humana: a construção de uma sociedade nova sem a exploração do homem pelo homem.

O capitalismo conseguiu, é certo, significativos avanços científicos e tecnológicos, mostrou a sua capacidade de sobrevivência, mas mostrou também, até à exaustão, que, como sistema, não só foi incapaz de dar solução aos grandes problemas da humanidade como foi e continua a ser responsável por crimes monstruosos contra a humanidade.

O socialismo, apesar dos erros e das derrotas que sofreu, apresenta-se como a única alternativa capaz de dar solução aos problemas mais prementes dos povos.

Como destacámos na Resolução Política do XVI Congresso do nosso Partido:
«Não há respostas fáceis, nem "modelos" prontos a usar para romper com as enormes dificuldades e complexidade da situação actual. Temos porém como certo que o caminho da alternativa e da revolução é o caminho da classe operária e das massas e da sua organização e mobilização para a luta, pela satisfação dos seus interesses e aspirações mais sentidas e pelo poder político. É simultaneamente o caminho da solidariedade e da cooperação internacionalista dos comunistas, dos progressistas, dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo.»

Hoje, passados que são 84 anos da primeira revolução socialista, se nos interrogarmos sobre o que ficou do Outubro Vermelho de 1917, a nossa resposta só pode ser esta:

Ficou a validade dos ideais que o inspiraram, ficaram as conquistas que milhões de trabalhadores e povos de vários continentes alcançaram sob a sua influência, ficaram os ensinamentos e a experiência riquíssima que nos estão a auxiliar na nossa luta pela transformação da sociedade, ficou a nossa inabalável confiança num futuro melhor.

«Avante!» Nº 1458 - 8.Novembro.2001