Vendaval
Mudar as regras do jogo para preservar o jogo
A eleição de Trump foi expressão da profunda crise em que está mergulhada a maior das potências imperialistas. Mas é também um factor do seu agravamento, facto cabalmente demonstrado pelos dois primeiros meses do seu mandato. O Tornar de Novo Grande a América (MAGA) trumpista não é irracional. É apenas reaccionário. Assenta na constatação real de que é insustentável o modelo de domínio imperialista e de financeirização parasitária em vigor nas últimas décadas, e na sua decadência face à ascensão da China e outros países. Perante o declínio, Trump propõe-se reafirmar o poderio mundial dos EUA. Pela força bruta, como é da sua natureza histórica. Quer mudar as «regras do jogo» para preservar «o jogo», ou seja, a hegemonia mundial do gigante imperialista. Se for preciso devorar os vassalos europeus, assim seja. Já nos anos 80 e 90 os EUA ceifaram o «aliado» Japão, para travar a sua forte ascensão económica.
O que distingue Trump de Biden não é a afirmação da hegemonia dos EUA, mas apenas os métodos. O que distingue Trump dos seus vassalos europeus não é a essência, mas apenas o assumir em público a relação de vassalagem que sempre existiu. Vassalagem que teve o seu ponto mais baixo no vergonhoso silêncio das classes dirigentes «europeias» perante o maior acto de sabotagem contra os interesses económicos da UE, perpetrado pelos EUA/Biden – a destruição do gasoduto NordStream2. Tal como os três macaquinhos, não vêem, não falam, não ouvem.
Os dirigentes europeus participaram em décadas de guerras, agressões e cercos sob o manto dos EUA – Jugoslávia, Afeganistão, Líbia, Síria, Venezuela, Rússia, entre outros. Se alguns espernearam com o Iraque, voltaram logo ao redil, elegendo Durão Barroso, o anfitrião da vergonhosa Cimeira das Lajes, para Presidente da Comissão Europeia. De então para cá a vassalagem foi total. Hoje mostram-se indignados. Porque são alvo daquilo que fizeram aos outros – aos que não aceitavam ser vassalos.
A natureza de Trump está à vista no retomar do genocídio na Palestina – um genocídio que Biden, UE e RU sustentaram durante 15 meses. Está à vista nos brutais ataques ao Iémen – copiando Biden e amigos. Está à vista nas ameaças de atacar o Irão – que também vêm de trás. Se Trump parece querer apaziguar a guerra na Ucrânia, é apenas porque reconhece que essa guerra – que está a ser perdida, apesar do investimento em força – lhe impede de se virar para o seu alvo primeiro – a China. Basta ler o que diz o Ministro da Defesa dos EUA, Hegseth. A ira da UE contra Trump nada tem a ver com «valores» ou «democracia contra autoritarismo». Dormiram na mesma cama durante décadas. Só que, para um poder engordar, os outros têm de ir dormir para o chão.
Quisessem os dirigentes da UE e haveria uma alternativa pacífica e independente para o beco em que se meteram. Bastava aceitarem relações de igualdade com os restantes países, deixarem de ter a psicose que ainda são os amos coloniais do mundo. Poderiam aproveitar o crescimento dos países dos BRICS para também crescerem. Mas isso seria como pedir ao lobo que deixe de comer ovelhas. Presos entre o seu passado colonialista e imperialista e a sua vassalagem ao amo norte-americano, as podres classes dirigentes europeias pensam da mesma maneira que Trump: recorrer à força bruta para tentar manter a sua existência parasitária e inútil. Cabe aos povos mandá-los todos pastar.