Vemos, ouvimos e lemos

João Frazão

Vale a pena ouvi-los e lê-los. A entrevista de Siza Vieira (SV), o ex-ministro da Economia de falas mansas, ao Público é digna de ser estudada.

«Precisamos de um governo forte, de bloco central», diz SV.

Mais, face às circunstâncias, que diz serem excepcionais, admite até assumir a decisão excepcional de ser ministro nesse governo forte.

E, pergunta o caro leitor, para que é necessário esse governo forte?

Para responder a todos os que têm de recorrer a quartos montados em garagens ou armazéns, porque não conseguem pagar o preço de uma habitação digna? Para tomar medidas para que as crianças deixem de nascer em ambulâncias, no meio da autoestrada? Para elevar os salários retirando da situação de pobreza aqueles que ali se encontram apesar de trabalharem? Para reduzir os impostos aos que menos ganham (que viram o valor pago triplicar) enquanto aos grandes grupos económicos PS, PSD e CDS deram uma borla de 365 milhões de euros anuais?

Nada disso.

Esse tal governo forte, afinal, é preciso para assegurar uma nova «dimensão do investimento em matéria de defesa que vamos ter de fazer».

«Vamos ter de saber se vamos aumentar o financiamento através de dívida pública para esse efeito.» Lembram-se do tempo em que o défice e a dívida eram sagrados e não era sequer questionável pô-los em causa para investir em saúde ou educação?

«Vamos ter de saber se vamos comprometer, por exemplo, investimento público em infra-estruturas, que agora está a avançar, por troca com investimento em questões militares.» Então, mas não nos andaram a dizer que esses gastos não punham em causa tais despesas públicas? Pelos vistos põem. E, para que não restem dúvidas, SV explica mesmo que esse governo forte é preciso para decidir «de que maneira arrumamos outro tipo de programas, designadamente sociais».

Isto são eles a falar por eles. Já quase sem filtros.

E, já agora, explica também que, para essa convergência num governo forte, Pedro Nuno Santos é o homem certo. Porque «tem um discurso muito inflamado, mas depois tem uma prática muito centrista».

Como diria a poetisa, «vemos ouvimos e lemos. Não podemos ignorar».



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