A colónia

Gustavo Carneiro

Em poucos momentos como nos anos mais recentes, e ainda mais claramente nestas últimas semanas, ficou tão à vista a submissão da generalidade dos governos europeus, e da própria União Europeia, aos EUA e ao seu principal instrumento militar, a NATO. O telefonema de Trump a Putin para conversarem sobre a Ucrânia, informando depois Zelensky e ignorando por completo a UE, por mais indignação que possa ter provocado em alguns, acaba por não ser assim tão surpreendente. E não falamos da suposta imprevisibilidade do presidente norte-americano…

Desde 2022, com o sorridente Biden, que perante o agravamento do conflito no Leste da Europa (desejado e preparado por Washington e então em curso há já oito anos)a UE e governos como o alemão vêm assumindo posições que só podem ser interpretadas à luz dessa mesma submissão: o caso do gás, comprado hoje aos EUA em condições muito mais desfavoráveis do que antes era adquirido à Rússia, é apenas um exemplo. Entretanto, muitas empresas alemãs deslocalizaram a sua produção para o outro lado do Atlântico e a economia do país permanece em recessão…

Também a exigência de aumento das despesas militares dos membros europeus da NATO, convertido em quimera pela UE, é reveladora: entre os apelos de Biden e as ameaças de Trump, o complexo militar-industrial dos EUA (o «material NATO» é fundamentalmente norte-americano)lá vai levando a água ao seu moinho. Os 2% passaram a 3% e até já se fala em 5%. Para se ter uma ideia do que isto significa, tomemos como referência o PIB português em 2023, sensivelmente 267 mil milhões de euros (o deste ano deverá ser um pouco superior). Ora, 3% desse valor é qualquer coisa como 8 mil milhões de euros, mais do que todo o orçamento do Ministério da Educação para 2025. E se em vez dos 3% forem 5%, supera-se os 13 mil milhões, ou seja, quase o dobro do orçamentado para infra-estruturas e habitação e não muito longe do que será gasto pelo Ministério da Saúde. O Secretário-Geral da NATO «informou» que é precisamente a estas áreas (e a outras, não menos decisivas) que se deverá ir buscar as verbas para alimentar os lucros fabulosos e crescentes da indústria da morte.

A NATO nunca teve a ver com liberdade e defesa, mas sempre implicou a submissão e obediência dos ditos «aliados» – como aliás reconheceu o seu primeiro Secretário-Geral, Hastings Ismay, para quem a NATO servia para «manter os americanos dentro [da Europa], os russos fora e os alemães em baixo». Para que servirão, afinal, os mais de 50 mil militares norte-americanos espalhados pelo continente?

Mais tarde ou mais cedo, as aspirações dos povos da Europa ao progresso e à justiça social chocarão de frente com as relações de dependência a que o imperialismo norte-americano e a UE os querem encerrar. A luta pela soberania é, também, uma luta de classes.

 



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