Agora e na hora da morte
Dias depois do falecimento de Maria Teresa Horta, o jornalista Nuno Pacheco, do Público, editou um artigo especulando sobre a relação da escritora com o PCP. Partindo do facto da nota pública emitida não referir o período em que Maria Teresa Horta foi militante do Partido, Nuno Pacheco presume que a sua saída se prendeu com «coisas desagradáveis como o Pacto Germano-Soviético, as invasões soviéticas da Hungria e da Checoslováquia, os milhões de mortos, sobretudo durante o reinado de Estaline, o Muro de Berlim, e o atraso, não o progresso, visível nos países que a propaganda dourava com “os amanhãs que cantam”».
Esquece-se de pequenos detalhes: além de ter feito a nota pública que intriga Nuno Pacheco, o PCP esteve no funeral, incluindo com a presença do Secretário-Geral no velório; e o Avante!, órgão central do Partido, referiu em duas edições sucessivas a vida e obra de Maria Teresa Horta. Se o PCP quisesse distanciar-se da poetisa, agiria assim? Ter-lhe-ia pedido em 2021 um depoimento a propósito do Centenário do PCP, que Maria Teresa expressou em forma de poema, publicado também ele no Avante!? E Nuno Pacheco não estranha que «as coisas desagradáveis» que refere sejam todas anteriores ao período em que Maria Teresa Horta foi militante do PCP, e que o próprio artigo situa «entre 1975, já após o 25 de Novembro, e 1990»? Ou presume que Maria Teresa Horta esteve enganada sobre, por exemplo, a história da Segunda Guerra Mundial até aos anos 90?
As notas públicas de condolências servem, para o PCP e para quem tenha um mínimo de senso, para valorizar a vida e a obra de pessoas que nos merecem respeito, mesmo as que não são membros do Partido. Se há quem aproveite até o momento da morte para ir ao fundo do baú desencantar todo o anticomunismo já é atitude que fica para quem a pratica.