A distância que vai de uma rotunda a um hospital

Vasco Cardoso

Alguns estarão recordados de notícias que apareceram logo no arranque da pandemia que davam conta de que a China tinha construído em 10 dias um hospital em Wuhan. Recordo-me de na altura me interrogar sobre qual a obra é que seria possível realizar em Portugal num tão curto espaço de tempo? Com sorte, talvez uma rotunda...

Passaram cinco anos e a pandemia, não sem os seus terríveis impactos, foi ultrapassada. Mas as condições para a execução de investimento público em Portugal agravaram-se. Basta lembrar que, ao contrário deste exemplo, neste período não foi concluído nenhum novo hospital e situações houve – como é o caso do Seixal – em que os mesmos se arrastaram sem saírem do papel.

O facto é que, com as políticas de ataque à administração pública e ao Sector Empresarial do Estado, o País perdeu capacidade de planeamento, acompanhamento e execução de obra. As obras públicas foram entregues «aos mercados» que se especializaram em parcerias público-privadas, em que o Estado paga o investimento e os grupos económicos ficam com as rendas (rodovia, ferrovia, saúde, aeroportos). Com a liberalização imposta pela UE, a capacidade de construção civil nacional reduziu-se significativamente e as obras de maior envergadura são obrigatoriamente abertas – via concursos – à presença das grandes empresas estrangeiras. Os concursos públicos passaram a ser um calvário – incluindo em obras de menor dimensão como nas autarquias –, ora com a cartelização de preços, ora com o arrastamento para os tribunais das contestações feitas pelas empresas excluídas. Tudo isto num quadro de fortíssimas restrições orçamentais que sacrificam o investimento e os serviços públicos, em nome do euro e do tão almejado excedente orçamental. E mesmo quando há dinheiro disponível – como no PRR – a situação não é diferente, com o Governo a apresentar agora uma segunda reprogramação, substituindo obra por compra de equipamentos... ao estrangeiro.

Os promotores da política de direita dirão que tais dificuldades se devem à «burocracia», ao «excesso de intervenção do Estado», à persistência de «regras nacionais», mas não conseguem explicar porque razão é que também o investimento privado voa tão baixinho aqui, e no resto da Europa.



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