Instintos

Jorge Cordeiro

Ra­zões de sa­lu­bri­dade po­lí­tica acon­se­lha­riam a ig­norar o tema. Ainda assim, com o risco de in­vadir ca­mi­nhos in­sa­lu­bres e am­bi­entes mal are­jados, não se pas­sará ao lado da tor­rente de casos e prá­ticas ilí­citas e cri­mi­nosas en­vol­vendo mem­bros de um par­tido que prega e pro­clama aos quatro ventos exac­ta­mente o oposto do que exibe. Não porque car­regue qual­quer carga de sur­presa, só ex­pli­cável por pura dis­tração ou in­dução pela pu­bli­ci­dade pro­mo­ci­onal dos slo­gans que se­meiam.

Olhando para o que ali se con­centra, mais do que a com­pro­vação do que de as­ser­tivo vive no sábio dizer po­pular quanto ao que é su­posto en­con­trar em «casa de fer­reiro», talvez com outro grau de per­ti­nência se pu­desse acon­se­lhar que o di­ver­si­fi­cado ma­nan­cial de prá­ticas con­trá­rias à lei e à ética ali con­cen­trado possa ser reu­nido e com­pi­lado, para en­ri­quecer e ilus­trar os ma­nuais de có­digo penal que por aí se lec­ci­onam. Ainda que o mais re­le­vante es­teja para lá de cada caso por si, mas pelo que es­po­letou dentro e fora da agre­mi­ação. A saber: o exer­cício en­saiado pelo seu prin­cipal rosto para ar­qui­tectar um cí­nico dis­tan­ci­a­mento sus­ten­tado em fi­gura de jus­ti­ceiro, pro­cla­mando exi­gên­cias de perdas de man­dato que em úl­tima ins­tância, se le­vadas a sério, con­du­zi­riam à ex­tinção da sua re­pre­sen­tação po­lí­tica.

Não se julgue que ali se foi to­mado por ten­dên­cias po­li­ti­ca­mente sui­ci­dá­rias, mas sim por ins­tintos de so­bre­vi­vência; o in­dis­far­çável pa­tro­cínio de sec­tores di­versos da co­mu­ni­cação so­cial para su­portar a cons­trução dessa imagem de ino­cen­tada per­so­nagem que «nada sabe, nada ouve, nada vê», logo por nada é res­pon­sável, numa ope­ração de res­gate de ido­nei­dade quase tão densa quanto a que tem sido posta à sua dis­po­sição para a mas­siva pro­moção que os tem ba­fe­jado; a in­si­nu­ante e ar­di­losa dis­se­mi­nação em si­mul­tâneo da re­la­ti­vi­zação e ba­na­li­zação da ex­pressão mais pro­funda do que por de­trás de cada caso, e do seu con­junto, se es­conde.

Ope­ração que, be­ne­fi­ci­ando da di­vul­gação de ou­tras si­tu­a­ções con­de­ná­veis mas de na­tu­reza dis­tintas, dá fô­lego aos que querem amal­gamar res­pon­sa­bi­li­dades, ni­velar com­por­ta­mentos, im­pedir de ver quem dis­tin­ti­va­mente se guia por pa­drões de se­ri­e­dade e ho­nes­ti­dade. Ou seja, con­tri­buir ainda para be­ne­fi­ciar ide­o­lo­gi­ca­mente quem devia ser pe­na­li­zado e con­de­nado po­li­ti­ca­mente.

 



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