Nenhum vencedor e um só perdedor
No debate entre Trump e Harris quem saiu derrotado foi a classe trabalhadora. Os dois representantes do partido único do capital estado-unidense quiseram deixar claro que só os separam a forma, a personalidade, o estilo e as palavras escolhidas para designar políticas quase idênticas. De fora, ficaram todos os outros candidatos – e toda a classe trabalhadora.
É certo que Trump, desorganizado, confuso e histriónico, se distinguiu mais uma vez como o candidato da direita que não hesita em baixar o nível da retórica racista e terrorista até ao esgoto (a título de exemplo, acusou os imigrantes de roubarem e comerem animais de estimação). Já Harris afirmou-se como a candidata da direita que não diz essas barbaridades. A candidata do Partido Democrata prometeu «a lei de Fronteiras mais rígida da História» e disse que, se fosse eleita, aumentaria «maciçamente a militarização da fronteira», o que lhe valeu o elogio provocatório de Trump, que até lhe prometeu oferecer um boné MAGA [na sigla inglesa, Tornar a América Grande Novamente].
De resto, Trump e Harris comportaram-se como as duas cabeças do mesmo monstro: Trump prometeu travar a China aumentando as tarifas para proteger a indústria estado-unidense; Harris prometeu travar a China baixando impostos e investindo no fracking e nos veículos eléctricos. Nenhum dos dois falou em aumentar salários, nem de direitos laborais, nem sindicais. Nem uma palavra para os 147 milhões de trabalhadores que, segundo o mais recente relatório do US Census Bureau, têm «dificuldades em fazer frente às despesas semanais», nem aos 25 milhões que passam fome.
Longe vai o tempo em que Harris, apoiada por alguns dos principais capitalistas das plataformas digitais e das cripto-moedas, falava de «taxar os bilionários». Ambos os candidatos prometeram «baixar impostos» sem concretizar para quem. Onde Trump é explícito e promete o inferno para quem trabalha e o céu para quem explora, Harris opta por chavões nebulosos como «uma economia de oportunidades».
Num momento em que se popularizam as pulseiras com a inscrição DNR – Não Reanimar – ou seja, preferir a morte às fabulosas despesas médicas que salvam vidas, Harris decidiu não falar da velha promessa de alargar o sistema público de saúde Medicare a toda a população, «Defendo intransigentemente a Saúde privada», fez saber. Se é verdade que os dois candidatos chocaram sobre o aborto, não é casual que Harris tenha escolhido defendê-lo a partir dos exemplos mais extremos, como o incesto ou a violação e não a partir do direito da mulher a decidir. Se Trump fez gala de permitir que cada Estado decida o que fazer com os corpos das mulheres, Harris é a vice-presidente de um governo que já cumpriu a promessa de Trump.
Trump e Harris também competiram pelo título de mais feroz defensor do imperialismo. Harris fez gala com o apoio de genocidas do Partido Republicano como John McCain e Dick Cheney e condenou a falta de entusiasmo que Trump mostrou em relação à continuação da guerra na Ucrânia. Já Trump devolveu a acusação a Harris esgrimindo o seu fanático apoio ao terrorismo de Israel, afirmando que o último pacote de ajuda militar à máquina genocida israelita (20 mil milhões) seria muito maior sob uma administração republicana.
Quem ganhou? Os povos e os trabalhadores não foram, certamente.