Os suspeitos do costume

Filipe Diniz

As cidades são terreno de caça do capitalismo financeirizado. Como os Jogos Olímpicos se realizam em cidades, é frequente envolverem grandes operações de especulação imobiliária.

Os Jogos de 2024 confirmam-no. Uma das linhas nesse processo envolve as chamadas aldeias olímpicas. Implicam a construção de muitas centenas de habitações. Intervenções concentradas de grande escala num calendário relativamente curto requerem todas as facilidades, em regra à custa do erário público: disponibilização de terrenos, infra-estruturas, redes de transportes, acessibilidades. À conta do «interesse olímpico» facilitam a limpeza de pré existências inconvenientes: instalações em desuso, moradores locais, sobretudo se forem pobres. A administração pública assume o essencial. Depois entram os privados.

A aldeia olímpica destes jogos de Paris situa-se no departamento de Seine-Saint Denis, um dos mais subfinanciados de França. 1/3 dos seus habitantes tem rendimento inferior ao limiar da pobreza. Mais de 1 500 foram desalojados.

Quatro grandes imobiliárias trataram da construção: Icade, Legendre Immobillier, Nexiti. A quarta é-nos bem familiar: Vinci (Immobillier). Essa mesma, a que constitui «o maior obstáculo à construção do novo aeroporto de Lisboa».

A Vinci, diz o Figaro, «está na primeira linha do processo». Já pôs à venda os fogos da residência olímpica “Apogée”, a 7 000 euros/m2 (segundo a Engelvoelkers o preço médio de venda em Lisboa - Junho de 2024 - era 4 096 €/m2, e sabe-se como por cá anda a especulação). A Vinci existe para facturar seja onde for, ponto final.

Não poupa no palavreado: «sustentabilidade», «regeneração urbana», «legado», «descarbonização». Quanto à «pegada social», não entra nas contas. Os pobres de Seine-Saint Denis são tão descartáveis como os lisboetas que, por vontade da Vinci, não se verão tão cedo livres do ruído e do perigo.

 



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