Censuras e desinformações
Provocou muita celeuma, há dias, a decisão das autoridades russas de cortarem o acesso a alguns órgãos de comunicação social de países da Europa, entre os quais quatro portugueses. Luís Montenegro reagiu de imediato, repudiando «fortemente» a decisão e reafirmando a defesa da «liberdade de expressão» e a sua solidariedade com o «jornalismo livre».
Mas as acusações de censura dirigidas à Rússia foram tão veementes quanto ensurdecedor foi o silêncio ao bloqueio antes imposto nos países da UE a meios russos – quatro no final do passado mês de Maio e outros há já quase dois anos. Ao que parece, só num caso é censura, como explicou a vice-presidente da Comissão Europeia, Vera Jourova, para quem as medidas anunciadas pelas autoridades russas são «represálias absurdas», já que de um lado estarão «órgãos de propaganda» e do outro «meios de comunicação independentes».
Deixemos de lado a questão da evidente censura, tendo a nosso favor o facto de a ela sempre termos resistido (em 93 anos, nunca o Avante! foi sujeito a qualquer espécie de lápis azul), e centremos a nossa atenção nos média «independentes» e «livres» que Montenegro e Jourova tanto elogiam. E que são, no essencial, os mesmos – jornais, cadeias de televisão, estações de rádio e, mais recentemente, portais de Internet – que ajudaram a abrir caminho a todas e cada uma das guerras «humanitárias» do imperialismo.
Na década de 90, Sarajevo estava em todos os noticiários e manchetes. Mas quantos terão ouvido ou lido sobre a Krajina, onde – testemunharam o jornalista Carlos Santos Pereira e o major-general Carlos Branco – ocorreu o único verdadeiro genocídio das guerras que dilaceraram a antiga Jugoslávia, visando os sérvios? Anos mais tarde, o repórter recordaria que nesse conflito a «capacidade de mentir, de manipular, ultrapassou tudo o que era capaz de imaginar».
E não terá sido por acaso que o pretexto para a agressão ao Iraque, em 2003, passou à história como «a mentira do século»: durante meses, incontáveis breaking news garantiam-nos que havia armas de destruição massiva prontas a serem lançadas contra «nós» – mas que afinal não existiam. De fora dos alinhamentos ficaram as – estas sim, bem reais – torturas nas prisões secretas da CIA ou as 500 mil crianças iraquianas mortas em resultado das sanções (a que acresceram muitas outras, vítimas directas da guerra).
Também a proliferação de armas, bases e contingentes militares norte-americanos um pouco por todo o mundo passou despercebida nos «nossos» média, que pouco ou nada disseram também acerca do envolvimento dos EUA no golpe de Maidan, da natureza xenófoba e racista do poder que dele emanou e da guerra que travou contra a população russófona do Donbass...
O problema, está visto, não é ser propaganda. É não ser da «nossa».