Imunidade

Anabela Fino

O Supremo Tribunal dos EUA decidiu que os antigos presidentes podem beneficiar de imunidade contra acusações criminais relacionadas com actos oficiais, o que favorece Donald Trump, acusado de vários crimes.

A decisão gerou agitação na classe política, que até hoje nunca se incomodou por os juízes do Supremo serem escolhidos pelo presidente e a título vitalício, o que é uma peculiar forma de entender a separação de poderes e o exercício da Justiça em democracia. Isto para não falar do sistema eleitoral, um «negócio» que move milhares de milhões de dólares que há de ter garantido retorno em decisões políticas.

Uma das reacções mais impetuosas foi a da juíza Sonia Sotomayor, que em nota divulgada pela CNN disse que, com esta decisão, a «relação entre o presidente e o povo que serve mudou irrevogavelmente», dado que «em todos os domínios do poder oficial, o presidente é agora um rei acima da lei». E até exemplificou, por via das dúvidas: [o presidente] «Ordena à Seal Team Six da Marinha que assassine um rival político? Imune. Organiza um golpe militar para se manter no poder? Imune. Aceita um suborno em troca de um perdão? Imune. Imune, imune, imune.» Forçando a nota dramática, Sotomayor diz estar «com medo» pela «democracia» norte-americana.

Ainda que a democracia seja só para consumo interno, a juíza acordou tarde. Por grave que seja, e é, a decisão do Supremo, o facto é que nunca os presidentes dos EUA se coibiram de decidir à revelia da lei e do povo. Veja-se a política belicista: nos seus quase 250 anos de História, o país interveio em centenas de guerras, mas apenas 11 (onze!) foram autorizadas pelo Congresso.

Um estudo sobre os Custos da Guerra, da Universidade Brown, revelou que só entre 2018 e 2021 os EUA conduziram acções de «antiterrorismo» em pelo menos 79 países, combateram em oito e efectuaram ataques aéreos em sete, incluindo Iraque, Afeganistão, Iêmen e Síria.

Recuando, encontramos exemplos como o Chile, Vietname, Somália, Laos, Kuwait, Granada, Jugoslávia, para citar alguns alvos dos crimes cometidos impunemente pelos titulares do império. Sem esquecer a Palestina. Autorizar golpes de Estado, invasões, assassinatos, é a imagem de marca dos presidentes dos EUA. A juíza, ou anda distraída, ou prima pela hipocrisia.

 



Mais artigos de: Opinião

Alguns apontamentos sobre convergência e unidade

A procura de caminhos de convergência em torno da defesa da liberdade, da democracia, do progresso e da justiça social é um objectivo de ontem, de hoje e de sempre. Na história do PCP, nas mais diversas circunstâncias da vida nacional, essa procura é uma constante. Ela inscreve-se numa...

Baralhar e tornar a dar

A efervescência dos últimos acontecimentos, particularmente no chamado «velho mundo», merece atenção. Tivemos e teremos pela frente tempos em que as classes dominantes tentam encontrar as soluções que mitiguem a crise estrutural do capitalismo. No marasmo económico, procuram o caminho que lhes permita uma «fuga para a...

A franqueza é uma virtude

Há momentos assim. Meses de abnegada construção de aparências, laboriosas construções semânticas, esforçadas cogitações para dar por boa e adquirida uma certa narrativa e, zás!, num ápice abre-se a boca e é o desastre, o esboroar desse labor. Foi assim com Diana Soller, esforçada propagandista do militarismo dos EUA e da...

«NOW» e agora?

Depois de anos de espectáculo no «mercado», a Cofina, um dos grupos económico-mediáticos dominantes – Correio da Manhã, Sábado, Record, CMTV (5% de share) –, em conflito de compra, venda ou fusão com a Media Capital – TVI (14.4%), CNN, (3%) –, consumou-se a compra, por quadros da empresa, com «apoio bancário», de Ronaldo...

Censuras e desinformações

Provocou muita celeuma, há dias, a decisão das autoridades russas de cortarem o acesso a alguns órgãos de comunicação social de países da Europa, entre os quais quatro portugueses. Luís Montenegro reagiu de imediato, repudiando «fortemente» a decisão e reafirmando a defesa da «liberdade de expressão» e a sua...